Capítulo 5 de "As Incertezas da Fortuna"!
Olá, querido leitor!
Não tenho nem palavras para descrever o capítulo anterior, só sei que estou com mais perguntas do que respostas! O que você acha que aconteceu com Marianne? Para onde ela poderia ter ido? Será que Gaspard fez bem ao guardar o segredo sobre o sumiço de sua irmã?
Bom, só lendo para saber, né?
Então com você, segue o capítulo cinco de...
As Incertezas da Fortuna!
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Aviso: Essa obra de ficção contém cenas incômodas envolvendo abuso psicológico e gaslighting parental.
Mylène ainda estava um pouco zonza com tudo que havia acontecido: a explosão, Gaspard em choque, a revelação sobre Marianne…
A tarde no festival da primavera fora inesperada, inusitada e certamente os acontecimentos do evento passaram longe das expectativas que tinha, mas ainda assim, ela se sentia contente.
Claro que, como uma cidadã consciente, Mylène estava preocupada com os estragos da explosão — mas também torcia para que De la Source não fosse capturado, pois admirava secretamente seu trabalho. E, como um ser humano decente e uma praticante das artes medicinais — mesmo que na surdina — esperava que ninguém estivesse ferido. Porém não conseguia esquecer o abraço final entre ela e Gaspard… Aquele abraço tinha sido a cereja no topo do bolo, uma cura para a sua alma inquieta.
Talvez ela nunca fosse ser inteiramente feliz ao lado de Gaspard, mas a conexão entre eles e a segurança que ele passava a levariam para uma vida boa. Afinal, o contrato por conveniência entre eles se tornara uma verdadeira amizade quase sem que percebessem. Uma relação tranquila com um marido que a respeitava, a mãe saudável, o estudo, o título de marquesa e duas crianças lindas com olhos cinzentos correndo pela casa. O que mais poderia desejar?
Mylène fechou os olhos por um instante e buscou a vozinha que sempre lhe trazia dúvida. Nada, nenhum pio. Naquela noite ela dormiria em paz.
Outra voz, entretanto, interrompeu seus pensamentos:
— Chegamos, senhorita! — Anton avisou.
— Ah, claro! — ela abriu os olhos e tentou se situar.
Mylène estivera tão absorta em seus pensamentos que nem percebeu que o balanço da carruagem se suavizara, finalmente chegando ao seu destino. Ela baixou da carruagem dos Orléans com o auxílio de Anton e agradeceu ao cocheiro, observando os funcionários da família Dupain que já estavam em frente à casa para recepcioná-la.
Sempre se sentia desconfortável quando todos os criados paravam tudo apenas para recebê-la e os dispensou rapidamente após pedir para que Laila preparasse seu banho. Mas primeiro deveria passar no escritório do pai para dar um breve resumo do encontro com o noivo, como de costume. Durante o curto caminho, Mylène refletiu sobre o que falaria para Hugo Dupain com cuidado. Sabia que as palavras certas poderiam lhe garantir a permissão para ver a mãe e não podia se dar ao luxo de errar.
O escritório de seu pai ficava depois da sala de visitas e da de reuniões. Seguindo pelo corredor à direita da entrada da casa, Mylène parou na frente das portas pesadas de madeira que dariam direto ao escritório do pai. Antes de bater à porta, fechou os olhos mais uma vez e respirou profundamente.
O alívio das angústias que sentia em relação à sua vida com Gaspard era evidente, entretanto diminuía a cada segundo que ela encarava aquela porta e se lembrava que ainda precisaria conviver com o pai por mais um mês atuando como a filha perfeita e obediente.
Puxando um pouco mais de ar pela boca, Mylène se consolou. Faltava pouco. Valeria a pena. Tinha que valer.
Novamente de olhos abertos e mais centrada, ela se sentiu pronta para encarar o seu carrasco particular. Obstinada, estava prestes a pedir permissão para entrar com uma batida na madeira quando alguém a surpreendeu, abrindo a porta abruptamente.
— Ah, boa tarde, senhorita Dupain! — um homem conhecido a cumprimentou sorrindo de orelha a orelha.
Era o Senhor Verry, um dos parceiros comerciais de seu pai, e Mylène nunca o vira sem uma carranca. Seu estranho bom humor fez com que ela sentisse um arrepio na espinha, sensação intensificada pois era um homem de dentes amarelados e sujos em um rosto pálido, sem nenhum sinal de saúde.
— Já estou de saída, mas a senhorita não precisa me acompanhar — ele se despediu.
Mylène sentiu repulsa só de pensar na possibilidade de ter que acompanhá-lo até a saída, mas felizmente o senhor Verry a dispensara e partira antes que ela precisasse fingir simpatia.
Sem mais delongas, ela entrou no recinto e encontrou o pai sentado no sofá, lendo alguns documentos. À sua frente, uma xícara fumegante de chá estava servida e a outra, do convidado, vazia. Isso era um bom sinal, significava que ele não a obrigaria a beber nada, ou, pelo menos, não a ameaçaria a beber.
Mylène nunca consumia nenhuma comida ou, principalmente, bebida oferecida pelo senhor Dupain.
— Soube que houve uma explosão no centro hoje — ele comentou de forma casual, sem tirar os olhos dos papéis. De início, Mylène ficou surpresa que as notícias tenham chegado tão rápido para seu pai, mas logo recordou do sorriso aterrorizante de senhor Verry e concluiu que a informação poderia ter sido repassada a Hugo por ele.
— Foi na Maison d’Argent. Vossa Excelê-…— Mylène interrompeu a si mesma antes de continuar — Quer dizer, Gaspard foi requisitado no local.
Se corrigira de propósito para lembrar Hugo da cena de intimidade entre os noivos mais cedo. De onde estava, Mylène conseguia enxergar o sorriso de satisfação do pai. Se tudo continuasse fluindo bem, ela conseguiria ver a mãe ainda naquela noite.
— O marquês, sem dúvidas, é um homem importante — a alegria na sua voz era um tanto ridícula e descabida. — E suponho que tudo ocorreu bem no festival, não é?
"Teve uma explosão!", ela pensou indignada. Porém, apenas disse:
— Sim, papai! — Mylène replicou com uma falsa animação. — Até fui presenteada com uma rosa! Pena que na correria após a explosão, ela acabou se perdendo…
— Não se preocupe, querida. Você terá todas as rosas que quiser quando estiver finalmente casada! — ele exclamou, colocando os papéis que segurava ao lado da xícara. — Bom trabalho!
Dito isso, o senhor Dupain se levantou e foi até a filha. Ele pegou a corrente prateada que sempre carregava no pescoço e o coração de Mylène se acelerou, parecendo subir para sua garganta. Quando seu pai puxou a corrente por completo, a chave para o quarto da senhora Dupain surgiu da gola de sua camisa.
— Creio que sua mãe estará disposta para vê-la hoje — seu pai comentou como se Avril tivesse se recuperado magicamente apenas por Mylène ter se comportado como ele queria. — Será sem a minha supervisão porque estou ocupado com o carregamento inesperado de Hassan.
Ele estava de bom humor por conta do trabalho.
Por dentro, Mylène começou a pular e gritar de alegria. A última vez que tivera um momento à sós com a mãe fora há quase dois meses, quando Gaspard finalmente anunciou para a imprensa Beau que o seu casamento aconteceria em breve.
— Obrigada, papai.
— De nada, querida filha. Mas lembre-se que você tem quinze minutos para trazer a chave de volta às minhas mãos. Não deve incomodar demais sua mãe.
Hugo pausou um segundo antes de completar num tom despreocupado, mas ameaçador:
— Não queremos que ela tenha algum tipo de recaída por sua culpa, não é, Mylène?
— Não, papai — Mylène afirmou monotonicamente, escondendo a aflição.
Sem dizer mais nada, Mylène deixou o escritório. Não gostaria de criar qualquer motivo para Hugo rescindir sua permissão. Ao fechar a porta, acelerou o ritmo dos passos para chegar o mais rápido possível no primeiro andar. Tinha pouco tempo e uma missão a cumprir.
Quando chegou perto do quarto, observou de canto de olho que Loic, um dos empregados leais de seu pai, estava ao pé da escada. Seguramente, assim que entrasse no cômodo, ele subiria os degraus e ficaria “espionando” a conversa que ela teria com a mãe.
Nada que Mylène já não estivesse acostumada, sabia que apenas precisaria atuar um pouco mais.
— Boa tarde, mãezinha! — ela disse ao entrar no quarto. — Como você está hoje? Espero que bem, na medida do possível.
Nenhuma resposta. Provavelmente, o silêncio da mãe a acompanharia naquela visita. A melancolia dela estava forte.
“Melancolia… Hah! Que ótimo nome papai deu para este assassinato lento que ele está cometendo", pensou com escárnio.
— Hoje o dia foi agitado. Fui ao festival de primavera, acredita? É a primeira vez desde a partida do León… — Mylène continuou a falar. Boa parte da literatura dizia que, mesmo desacordadas, as pessoas no estado da sua mãe conseguiam ouvir. Além disso, era um ótimo estímulo para o cérebro. — Ainda assim, foi bastante divertido.
Após abrir um pouco mais a janela para fazer o ar circular, ela se aproximou da cama. Os cabelos ruivos que um dia foram tão brilhantes da mãe estavam mais opacos e quebradiços do que nunca. Através da pele e dos lábios era possível ver também que estava um pouco desidratada. A fúria tomou conta de Mylène, mas ela entendia que não adiantaria de nada extravasá-la, só pioraria a situação. Precisava agir.
Imediatamente, abriu a bolsa que sempre levava consigo e tirou de lá o vidrinho de “álcool”. Devagar, ela começou a derramar o seu conteúdo dentro da jarra de água em cima da mesinha de cabeceira. Não havia copos para servi-la porque, assim como Mylène não consumia nada que Hugo a oferecia, Hugo também não confiava em nada que Mylène pudesse oferecer para a mãe.
Hora da atuação.
— E você sabe que o marquês não gosta nada dos Romaines, né? Acredita que ainda assim ele me acompanhou no festival? Acho que ele gosta mesmo de mim, mamãe! — ela aumentou o tom de voz para demonstrar choque, mas tinha o intuito de disfarçar qualquer barulho que pudesse produzir. — Nosso casamento será lindo, mesmo que seja uma cerimônia íntima. Espero que a senhora esteja bem o suficiente para comparecer e me ver com o seu vestido. Já o ajeitamos para caber perfeitamente em mim.
E pronto!
A missão de Mylène se cumprira.
A tintura revigorante inodora e incolor que havia desenvolvido com ajuda das mulheres do Refúgio agora estava toda na jarra. À noite, quando alguém despertasse sua mãe para alimentá-la e mantê-la viva, também fariam com que ela bebesse água. Sempre corria o risco de que trocassem a jarra e jogassem o conteúdo fora, mas precisava confiar. Afinal, era a única coisa que podia fazer pela mãe no momento, já que Rosane e Laila, suas criadas pessoais, não eram autorizadas a entrar ali.
Na casa dos Dupain, as duas eram as únicas pessoas em quem Mylène confiava. Elas também eram as únicas que sabiam que o senhor Dupain envenenava a esposa desde a morte de León, o primogênito do casal.
De início, Avril Dupain realmente havia ficado mal. Que mãe não ficaria? Porém, a sua personalidade vivaz nunca permitiria que ela se entregasse à tristeza por muito tempo. Avril sempre fora a única pessoa que conseguia confrontar Hugo Dupain e faria o que estivesse ao seu alcance para evitar que Mylène se casasse com um nobre qualquer para elevar o status social da família. Isso seria um grande empecilho para os planos que o senhor Dupain tinha, porque com a morte de Léon, só lhe restava a filha como caminho para realizar seu desejo de grandeza.
Quanto à Mylène, ela sempre quisera estudar. Quando sua mãe ainda estava bem, chegara até a comentar à mesa de jantar que gostaria de prestar universidade em Sálaga, o país ao sul de Chambeaux. “Lá, as mulheres podem até ser médicas”, ela dissera na mesma oportunidade.
Sua mãe dera todo o apoio do mundo, obrigando seu pai a agir.
Então, aos poucos, sua mãe começou a adoecer. E, enquanto o senhor Dupain dizia para todos à sua volta que isso era devido à melancolia, Mylène notava as vertigens, dores abdominais e diarreias. Pelo que já tinha aprendido na medicina, desconfiou de algum tipo de infecção.
Durante a procura de um remédio para a mãe, Mylène acabou descobrindo uma apoteca antiga, mas não muito famosa, da cidade. Foi lá também que conheceu sua mestra, uma salaguenha que era a dona do lugar. Dado os sintomas, a apotecária levantou a suspeita de envenenamento e sugeriu que Avril tomasse uma tintura simples. Após uma semana com a medicação, seu estado e vigor melhoraram.
Naquele momento, não poderia afirmar quem estaria por trás de tal atitude cruel e o porquê do alvo ser justamente a mãe. Numa tentativa de descobrir o culpado, Mylène pediu que Rosane e Laila vigiassem o preparo da alimentação de Avril. Nada tinha sido constatado até o dia em que Hugo proibiu a filha de frequentar apotecas e de comprar novas tinturas para a mãe sem motivo algum.
Obviamente, Mylène não deu ouvidos.
O pai agiu mais uma vez, confirmando ser o responsável pelo envenenamento, e quase matou a mãe, botando a culpa toda na filha por não “respeitar os desejos da família”, o que na verdade significava que Mylène não respeitara os desejos dele. Se ela continuasse o desrespeito, a senhora Dupain sofreria as consequências.
Mas o jogo viraria quando ela se tornasse a Marquesa Orléans.
— Eu vou tirar a gente dessa situação em breve… — Mylène sussurrou, dando um beijo na testa de sua mãe antes de deixar o quarto.
***
Sábados não eram dias seguros para as fugas de Mylène por conta da imprevisibilidade do movimento nas ruas, mas ela decidiu que sairia mesmo assim.
Há duas horas tentava descansar e tirar da mente a imagem da mãe desfalecida na cama. Tentava se consolar, repetindo para si que dali a um mês isso acabaria, mas a ansiedade só aumentava. Precisava sair um pouco da casa dos Dupain; necessitava de um tempo no seu Refúgio.
Às onze da noite, todos já estavam recolhidos em seus aposentos. Mylène, por outro lado, estava apenas começando a agir. Lentamente, ela se moveu pela casa até a saída da cozinha e, como esperado, uma de suas fiéis empregadas a deixara destrancada. Era a sua vantagem: ninguém desconfiaria que uma senhorita de família abastada costumava fugir de madrugada para estudar o que amava e, por isso, ninguém se preocupava em checar as portas, deixando a segurança da casa apenas com a vigilância noturna.
Mylène andou pelos fundos da casa com a mesma destreza e, atrás de um canto esquecido do estábulo, ficou aguardando alguns minutos até a troca da guarda.
Entretanto, e para a sua surpresa, a troca não aconteceu. Em vez disso, ela viu o portão dos fundos da casa sendo aberto e uma carruagem saindo. Na certa era seu pai indo para algum clube de cavalheiros, mas ela não precisava se preocupar pois isso facilitaria ainda mais em sua escapada. Mylène continuou até uma “passagem secreta” da cerca viva e saiu para a rua. Trajando um vestido de Rosane e com uma capa por cima dos cabelos, ninguém desconfiaria que aquela silhueta era a sua.
Com rapidez, Mylène se movia pelos becos. Sua adrenalina estava no pico não só por ter saído de casa sem intercorrências, mas também porque as ruas estavam mais desertas que o normal, provavelmente por consequência da explosão na Maison d'Argent.
Seus músculos só relaxaram e sua mente ficou menos alerta após caminhar por quase dez minutos até, finalmente, parar, em frente ao Refúgio.
A alma se enchia de paz ao pensar que passaria as próximas horas sem atuações, apenas rodeada dos livros que amava. Ela estudaria, colocaria um pouco de conhecimento em prática, tentando formular novas tinturas, e voltaria para a casa Dupain perto do amanhecer, quando acontecesse a próxima troca de guarda. Seria uma madrugada tranquila, seguida de quatro horas de sono profundo em sua cama.
Pelo menos era o que achava até começar a descer as escadas e notar um vulto sentado de capuz, escorado perto da porta do Refúgio.
O coração de Mylène se acelerou. A sombra não se movia, mas isso não a deixava menos assustadora. No pé da escada, ela pegou uma barra de ferro que sempre deixavam ali em caso de invasores. Ao se aproximar, sentiu um cheiro de carne queimada e sangue. Apesar da pouca iluminação de um poste mais adiante, era possível enxergar um homem desacordado.
Imediatamente largou a barra de ferro no chão, destrancou a porta do estabelecimento e acendeu uma lamparina simples, deixando-a do lado de dentro para não chamar atenção. Retornando para fora, ela tentou mover o homem para dentro sem sucesso: apesar de não ser musculoso como Gaspard, ele ainda era alto e pesado demais para Mylène.
— Pense, pense, pense! — ela falou para si. — Calma. Será que está morto? — pegando a mão do homem, ela sentiu o seu pulso. — Ok, vivíssimo. Preciso acordá-lo…
Seu primeiro passo foi balançá-lo levemente, mas não houve qualquer reação da parte dele. Depois, tentou com um pouco mais de força. Nada mudou.
Enquanto considerava novas formas de acordar o estranho, Mylène se aproximou para avaliar melhor a situação dele, e suas narinas foram invadidas por um cheiro ainda mais forte de carne queimada. Não havia sinais de queimadura aparente em seu campo de visão, contudo, ao movê-lo um pouco para frente, a capa que ele usava de moveu, mostrando que grande parte do ombro esquerdo era de tecido chamuscado.
Ele precisava acordar logo para que ela pudesse tratá-lo. Porém, como poderia fazer isso?
Chacoalhou-o mais algumas vezes e tentou emitir o máximo de som que o horário permitia, porém o rapaz continuava desacordado. Percebeu que tinha apenas um jeito, precisaria usar o método da dor.
Um tapa no rosto, igual ao que aplicara em Gaspard mais cedo, seria o mais prático, mas o barulho poderia chamar a atenção da vizinhança em meio ao silêncio. Jogar um pouco de álcool na queimadura a ressecaria, então dispensou a ideia. Se estimulasse a dor tocando no ferimento, a pessoa acordaria gritando e chamaria a atenção da rua inteira.
As opções eram escassas, assim como o tempo de ação.
Mesmo sendo contraindicado tocar em queimaduras, Mylène não enxergava uma solução melhor. Precisaria apenas evitar o grito que inevitavelmente viria.
Voltando a entrar no Refúgio, ela deu uma olhada rápida pelas prateleiras. Estava tudo um tanto desordenado, indicando que provavelmente Heloise estivera ali por último; ela não tinha muita paciência para arrumações. Não tinha problema, o que realmente importava era que pelo menos havia um bom estoque de toalhas limpas. Ela pegou duas de rosto e começou a enrolar uma delas.
Em frente ao homem, Mylène decidiu que enfiaria uma toalha na boca dele. Não conteria o grito, mas abafaria o som. Por fim, ela se levantou, colocando a outra toalha em cima da queimadura e apertando o local com tudo.
O despertar foi tão imediato quanto o grito que seguiu.
Naquele momento, ela também se lembrou que poderia ter feito uma solução de vinagre e álcool e colocado sob as narinas dele, da mesma forma que sabia que faziam com a sua mãe todas as noites.
Bom, agora era tarde.
— Calma, calma!— ela sussurrou, já se movimentando para apoiá-lo pelo lado direito. — Eu posso te ajudar, mas preciso que você me ajude a levá-lo para dentro.
O homem pareceu entender a situação. Com a respiração bem acelerada, ele começou a tentar se levantar e quase perdeu o equilíbrio, mas Mylène o amparou. Devagar, os dois conseguiram passar lateralmente pela porta do recinto e ele se sentou na maca mais próxima da entrada.
A primeira parte havia sido vencida. A segunda estava por vir.
Mylène trancou a porta do Refúgio, apagando a lamparina simples e acendendo a mágica, uma raridade adquirida pela mestra que as recrutara num leilão secreto de artefatos mágicos. A luz iluminou completamente cada canto do local.
— Desculpe. Pode gritar agora se quiser.
Mylène se debatia internamente se deveria entrar em mais detalhes sobre o motivo dele poder gritar à vontade e concluiu que no estado em que estava, aquele homem não seria uma ameaça. Acrescentou:
— Essa lamparina tem um encantamento que faz com que ninguém nos ouça ou perceba que há luz aqui dentro.
Num gesto automático, ela olhou pela janela para ter certeza de que ninguém havia os escutado. Mylène não confiava inteiramente que a magia não acabaria a qualquer momento — nunca se sabia com objetos mágicos. E, se a magia havia acabado uma vez e só deixado vestígios, poderia decidir sumir por completo até dos poucos artefatos que ainda a carregavam.
— Obrigado, mas acho que já estou bem servido — ele falou com a respiração entrecortada.
— Certo… — Mylène finalmente se virou para encarar o homem. — Poderia me dizer o que houve com você?
— Conhecendo a minha fama, talvez a essa altura toda a capital já saiba.
Mylène estava prestes a perguntar o que ele queria dizer com aquilo. Mas não conseguia formular a pergunta, pois ele baixara o capuz, e agora, à sua frente estava um homem que ainda conseguia sorrir para ela de maneira charmosa, apesar da visível expressão de dor.
O que a deixou um tanto desconcertada.
— Certo, eu claramente estou desinformada porque não tenho a mínima ideia do que aconteceu com você.
— Não ouviu falar da explosão da Maison d'Argent? — ele perguntou incrédulo.
— Ah, sim. Claro, já é sabido que foi obra do De la…
Mylène não conseguiu continuar com a frase porque na mesma hora tudo se ligou. Maison D’Argent, a explosão com queimadura, o cartaz de procurado que vira mais cedo, quando estava na carruagem com Gaspard… Bom, as feições eram bem diferentes da pessoa na maca; o homem do cartaz tinha rosto longo, um nariz aquilino e sobrancelhas bem grossas. Realmente não tinha nada a ver com aquelas belas linhas faciais e o olhar caloroso. Porém, precisava admitir que o retrato falado havia acertado nas ondas do cabelo.
— Você é o De la Source? — ela perguntou finalmente.
Apesar da dor, o homem conseguiu soltar uma gargalhada rápida. Depois, virou-se para a Dupain e a encarou fervorosamente com seus olhos castanho-claros e a boca formando mais um sorriso.
— Por favor, senhorita. Sem formalidades. Você pode me chamar apenas de Henri.
Continua...
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CRÉDITOS
Autora: Marina Oliveira
Edição e Preparação: Bárbara Morais e Val Alves
Revisão: Mareska Cruz
Diagramação: Val Alves
Ilustração: Fernanda Nia
Nota Extraordinária: Esta é uma obra de ficção e Mylène ainda está aprendendo as artes medicinais, não imitem o que ela fez em casa.
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A próxima Noveletter, com o sexto capítulo de As Incertezas da Fortuna, sairá no dia 01/04!