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Capítulo 6 [Parte 1] - Estudo sobre Amor e outros venenos letais

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Capítulo 6 [Parte 1] - Estudo sobre Amor e outros venenos letais

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Dec 22, 2022
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Capítulo 6 [Parte 1] - Estudo sobre Amor e outros venenos letais

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Olá para você que nos acompanha!

Hoje começarei a recap do envio anterior de uma forma inovadora, diferente de todas as outras vezes, porque os acontecimentos daquela segunda parte do capítulo cinco pediram por isso. Hoje, acredite se quiser, começarei com a definição da mais nova palavra que entrará nos dicionários da língua portuguesa. E você, leitore, conhecerá esta palavra e sua definição antes de todas as outras pessoas falantes do português!

Preparade? Então vamos lá:

las·zlo·-po·ro·shen·ko
(derivação regressiva de Vladislav Olgaevich Poroshenko)
substantivo de dois gêneros

1. Aquele que atrapalha e aparece no momento de maior tensão sexual.
2. Coito interruptus.
3. Empata-foda.

É isso. É só isso que eu tenho a dizer sobre o capítulo passado e acredito que foi o suficiente para resumi-lo.

Com sorte não terá laszlo-poroshenkos nos capítulos futuros… ou será que terá?

Para descobrir se terá pelo menos uma foda para ser laszlo-poroshenkada, leia a primeira parte do sexto capítulo de…

Estudo sobre Amor e outros venenos letais!

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Gostou? Mal pode esperar pelo próximo capítulo? Você pode assinar o Catarse e receber um capítulo adiantado!

Perdeu algum capítulo? Não se preocupe, você pode ler as noveletters anteriores aqui ou acompanhar as publicações no Tapas ou no Wattpad.

Banner com fundo vermelho queimado com bordas trabalhada em linhas retas e douradas. No centro, um hexágono vermelho vivo, no qual saem linhas vermelhas e pretas para criar os bordados floridos que estão ao redor dele. No meio do hexágono, estão escritos o nome da autora e o título da obra: "Isabelle Morais" e "Estudo sobre Amor e outros Venenos Letais" (numa letra trabalhada em cursivo). À esquerda a logo da Noveletter.

Aviso: Esta obra contém/menciona comportamentos tóxicos, quadro depressivo, familiares abusivos e tentativa de homicídio.

Você pode saber mais detalhes sobre termos, apelidos e nacionalidades ficcionais, e outros personagens através do Guia de Leitura.
 



Morena ficou aliviada quando entrou na cabana e percebeu que Ivan não estava lá. Queria ficar sozinha pelo menos alguns minutos, com tempo para organizar os seus pensamentos e sem precisar falar com ninguém sobre o dia que tivera. Ivan sempre a respeitava quando precisava de espaço, mas desde que se formaram, ela sempre se sentia culpada por não conseguir ceder a mesma atenção de antes. As obrigações na Corte ocupavam grande parte dos seus dias e Ivan sempre parecia tão deslocado, tão sem jeito com aquela vida, que quando sobrava tempo, tudo que podia fazer era dedicá-lo ao marido. Querer algum tempo para si sempre parecia uma traição ao compromisso que ele fizera para estar ao lado dela.

Preparou um banho e se afundou na banheira, suspirando pesadamente, sentindo cada centímetro das pernas e dos seios doloridos. Ir à caçada fora um erro do qual se arrependera no momento em que subiram nos cavalos e adentraram a mata, a cólica e a dor nas costas que sentia quase todo mês se misturando com a cabeça latejante, fruto de uma noite mal dormida.

Se não fossem os anéis que Ivan lhe dera, tinha certeza que não teria aguentado vinte minutos em cima de um cavalo. Ao menos usufruía de uma liberdade vinda do desprezo, podendo ficar ao final de todo o cortejo, depois de serviçais e cachorros e carroças, seguindo em seu próprio ritmo. A égua que forneceram também era dócil e tudo parecia tolerável a princípio. Não demorou muito para o Príncipe Poroshenko se juntar a ela ao fim do cortejo, informando em um tom um pouco contrariado:

— Eles não estão encontrando nada.

— Com essa papagaiada toda, é claro que não — comentou Morena. — Mas a culpa, obviamente, será nossa.

— Já é — disse Poroshenko, com os ombros encurvados. — A Baronesa Tsereteli fez questão de me mandar aqui para trás porque disse que minha má vibração espanta os animais.

— Talvez seja a cara feia dela que espante todo mundo — Morena retrucou, fazendo o homem gargalhar. — Ou então os animais pressentiram que vão virar troféus bregas na sala desse povo e saíram correndo desesperados para evitar tal triste destino.

Poroshenko riu mais uma vez e olhou para ela com um sorriso tão largo que acabava por estreitar seus olhos e marcar as pequenas rugas de expressão que possuía. Morena engoliu em seco, sabendo exatamente qual assunto ele traria à tona.

— Não conversamos muito, não é? — apontou ele. — Mesmo na viagem até aqui você dormiu durante quase todo o percurso. Aleksey fala muito de você, estava curioso em te conhecer.

— Bom, muito prazer. — Morena forçou um sorriso, tentando não deixar transparecer a forma como seu coração acelerara com a mera insinuação de que Aleksey ainda falava dela. — Ivan igualmente elogiou as conversas que tiveram. Também estava curiosa para te conhecer melhor.

Poroshenko se iluminou tanto com o comentário que Morena quase se sentiu envergonhada por mentir assim, descaradamente. Quase.

— Achei que ele tinha me achado chato, a maioria das pessoas fica entediada rápido quando eu entro… nos assuntos que eu gosto.

— Ivan ficaria entediado se você falasse de coisas banais, então não se preocupe. Ele pode ficar horas ouvindo alguém falar sobre os próprios interesses pessoais, por mais diferente que o tema seja.

Poroshenko sorriu novamente, mas com uma postura que ainda parecia pedir desculpas por ser estranho.

Ela conseguia ver exatamente por que Aleksey se sentira atraído por Vladislav Olgaevich. O príncipe de Khostovinist’ era um homem agradável, de conversa fácil e riso bonito, extremamente atencioso. Sempre tratava todo mundo com quem conversava como se aquela conversa fosse crucial, prestando atenção de forma genuína. Além disso, a posição relativamente poderosa que possuía na Corte também ajudava, assumindo um papel semelhante ao de Morena.

Juntos, Mièdz e Khostovinist’ reuniam a maior parte das indústrias têxteis de Argon, bem como as que produziam outros utensílios que facilitavam o dia a dia, de itens de couro a cerâmica boa e resistente. Junto a Seleni — o oblast de Aleksey, que fornecia a maior parte dos grãos e vegetais — controlavam grande parte das riquezas de Argon.

Era uma posição que supostamente traria prestígio, mas só gerava ressentimento, principalmente porque a Corte entendia que as lealdades de seus soberanos não estavam com a nobreza, e sim com as Alquimistas. Não era uma suposição tão distante da realidade — a lealdade de Morena era sempre, acima de tudo, ao seu povo e se grande parte deles se tornavam Alquimistas, não havia nada que ela pudesse fazer sobre o assunto.

Porém, viviam em um equilíbrio tênue, os três e o resto da Corte. Uma ofensa direta poderia ter consequências drásticas na política de Argon e daria as desculpas que precisariam para agirem de forma mais firme contra o Império, só que tratá-los bem parecia ser um esforço que a Corte não estava disposta a fazer. Havia apenas uma tolerância, fria e distante, com pequenas ações que todos sabiam que eram desrespeito e ofensa, mas que fingiam ser um equívoco ou um exagero quando confrontados em voz alta.

Para ela, parecia natural que Aleksey tivesse saído da amizade entre os dois — e da aliança inegável entre seus oblasts que a acompanhava — para alguém que fosse o acolher e, de quebra, ainda o resguardasse politicamente.

Morena e Poroshenko seguiram juntos, jogando conversa fora, até a hora do almoço, quando o grupo parou em uma clareira. Os dois ficaram mais para dentro da floresta, ainda afastados, em um pedaço com árvores carregadas de frutas dos mais diversos tipos. O almoço era uma carne que fora trazida e estava sendo grelhada na hora, o sangue ainda escorrendo enquanto assava, então Morena optou por comer uma seleção das frutas que encontrara, cortando mangas e goiabas com um canivete que levara só pela insistência de Ivan, que, ao final das contas, estava certo.

— Você só vai comer isso? — Laszlo questionou quando se juntou a ela novamente, carregando um prato de metal com comida empilhada. — Eu achei que os daliashin podiam comer carne.

— A gente não pode comer sangue — explicou ela e ele emitiu um som de compreensão. — A parte teológica é longa, mas na prática e na minha experiência, a gente sempre passa mal quando come, pelo menos nas primeiras dezenas de vezes. Eu acho que depois o corpo se acostuma. Mas nunca conheci alguém que tenha testado a teoria.

— Eu sinto muito — disse Poroshenko e Morena se empertigou. Aquilo raramente antecedia um comentário que não a ofendesse, porém o que prosseguiu foi: — É uma merda que eles esqueçam disso e você fique sem uma refeição de verdade. Quando você for para uma festa na minha casa, isso não vai acontecer.

Morena sorriu e agradeceu. Além de tudo, ele era gentil. Sentiu um aperto no peito ao pensar em como Aleksey precisava daquilo, de alguém que fosse um porto seguro na tempestade que era sua vida — e Poroshenko era o candidato perfeito. Ela podia dar uma ajudinha, não podia? Não era interferir muito. Depois de comer uma manga particularmente gostosa, concluiu que não havia problema.

— Você quer levar um presente para Aleksey? — Ela perguntou e Poroshenko ergueu as sobrancelhas. — Ele vai amar se você levar algumas dessas frutas de presente. Eu acho que vi um pé de amora ali atrás e mais algumas mangas, que são a fruta favorita dele. Só que Aleksey é preguiçoso, então se você não cortar para ele, ele não vai comer.

— Mas é claro. — Poroshenko deu uma gargalhada, com um afeto claro na voz. Morena baixou o olhar para suas mãos, que seguravam o canivete, sentindo um bolo se formar na garganta. — Será que me arrumam uma cesta para ficar mais fácil? Vou lá perguntar. Muito obrigado pela sugestão.

— Disponha — disse ela, observando-o se afastar sem sequer terminar a comida do prato e suspirando assim que ele saiu de vista.

Em condições normais, ela teria dado um milhão de sugestões como aquela para Poroshenko, se deleitando em ver como ele deixava Aleksey feliz; já teria ido até a casa dele e comido um banquete enquanto tomavam vinho e fofocavam, já teria ajudado Aleksey a se vestir enquanto ele contava histórias escandalosas das aventuras dos dois. Em condições normais ela seria parte daquilo e estaria ao lado de Aleksey de alguma forma, adicionando Poroshenko com prazer à vida que compartilhavam.

O problema todo não era Aleksey estar com Poroshenko; era Aleksey não estar com ela.

— Ah, aí está você! — Uma voz feminina a tirou do devaneio. — Estive te procurando por todo canto! Como você é difícil de achar.

Morena franziu a testa e se virou, deparando-se com Nadezhda Lyubovevna, a Baronesa Medinikov, tão bonita quanto no dia em que se conheceram. Ela usava o cabelo preto em um coque alto e trajava uma calça de caça apertada com uma blusa branca que não tinham o direito de cair tão bem assim em ninguém. Os olhos dela brilharam com malícia quando ela arrumou a carabina que carregava no ombro, e Morena teve a impressão, por um instante, de que fora encurralada por um predador que sabia que encontrara uma presa fácil.

Sentiu o coração acelerar, subitamente nervosa, mas anos de prática a fizeram permanecer impassível, olhando-a de soslaio. Começou a virar os anéis de Ivan que estavam nos dedos de forma descuidada, e quase riu quando a mulher deu um passo para trás, para ficar a uma distância segura. Morena se surpreendia todas as vezes em como era fácil enganar quem não era Alquimista quanto às suas capacidades. Morena não era uma Transformação como Ivan, então nenhum anel carregava feitiços ofensivos — o perigo que ela representava era muito maior, muito mais devastador do que qualquer coisa que um anelzinho era capaz de causar. Porém, ali estava uma das mulheres mais poderosas politicamente de todo o Império, talvez do mundo, com medo de um anel que possuía um feitiço para aliviar dor de cólica. Se não estivesse tão preocupada tentando calcular o que a esposa de Yakov queria com ela, poderia até ter gargalhado.

— Ah, perdão se te fiz me procurar. Achei que fosse de conhecimento geral que estou neste passeio para apreciar a natureza, não para matá-la. — Morena forçou um meio sorriso. — Muito bom vê-la novamente, Baronesa Medinikov.

— Ah, não venha com formalidades. Você é amiga de meu estimado sobrinho, é praticamente família. — Nadezhda enunciou tudo sem titubear, como se fosse apenas um fato da vida, como se o marido dela não fosse responsável por todas as desgraças na vida de Aleksey. — Pode me chamar de Nadya.

Ela se aproximou de Morena com cuidado, a tensão nos ombros e a forma cuidadosa com que dava seus passos traindo um nervosismo que disfarçava bem na fala. Morena cruzou os braços, sentindo uma satisfação imensa em perceber que Nadya a reconhecia como uma igual, uma predadora igualmente perigosa, e não a presa. Bom. Era exatamente o que Morena queria.

— Mal tivemos tempo para conversar ontem — continuou Nadya, no mesmo tom amigável. — Mas para a minha sorte, você está aqui sozinha e não preciso arrumar uma distração para tirar o seu marido de perto e podermos conversar de mulher para mulher.

— Bom, não faz muita diferença porque qualquer coisa que você me disser, ele vai ficar sabendo — Morena retrucou e Nadya sorriu.

— Ah, fique à vontade para contar tudo para ele. Eu não me importo nem um pouco. — Ela deu de ombros, ainda tranquila. — Mas você sabe como homens são, tão passionais e impacientes. Eu acho que você e eu vamos chegar a um entendimento, sem precisar das emoções desnecessárias que um homem pode trazer — explicou Nadya e Morena levantou as sobrancelhas, sem querer responder que era verdade que se Ivan estivesse ali já a teria expulsado. — Vamos dar uma volta e eu explico. Vou até deixar a carabina aqui, para que você confie mais em mim.

Morena a seguiu com o olhar enquanto Nadya apoiava a arma em uma árvore próxima ao assento de Poroshenko, mostrando que ela estava sem munição. Era um gesto de boa vontade, uma sinalização de que o que acontecera entre Aleksey e Yakov — o pretenso “acidente” que as duas sabiam que não fora nada acidental — não se repetiria ali. Morena ponderou por um instante antes de decidir que conversar poderia trazer algumas informações sobre aquela mulher que ela conhecia tão pouco.

Nadya estendeu um braço para Morena, que o aceitou, e as duas caminharam em silêncio por alguns metros. O perfume de Nadya estava ainda mais intenso, atordoante, a mistura doce, muito parecido com o do bosque em que estavam, com todas as suas flores, frutas e animaizinhos em decomposição. Depois de um tempo, Morena precisou se segurar muito para não olhar para Nadya e exigir que a conversa seguisse.

— Eu vou ser direta, porque acho que, assim como eu, você não tem tempo para arrodeio. — Nadya finalmente quebrou o silêncio, mantendo o passo na mesma velocidade. — Eu nasci para ser uma Princesa.

Aquilo fez Morena gargalhar.

— Eu achei que quem nascia para ser Princesa era quem nascia herdeira de uma das famílias responsáveis pelos oblasts, não a segunda filha da terceira filha de uma Condessa — respondeu Morena e Nadya abriu um sorriso que não alcançou os olhos.

— A graça de ser a segunda filha da terceira filha de uma Condessa é que eu posso me casar com quem eu quiser, meu amor — declarou ela. — E quando me casei com Yakov, essa foi a única condição que impus a ele: ele precisava me fazer Princesa. Eu poderia ter me casado com aquele bufão do Príncipe Sokolov e resolvido esse problema, mas Yakov me prometeu que não mediria esforços para cumprir sua palavra.

Morena encarou a mulher, franzindo a testa. Nadya continuou, ignorando a reação, gesticulando com a mão que estava livre enquanto explicava:

— É claro que se me casasse com Sokolov, eu não teria a liberdade de continuar ao lado de Carina, então Yakov era perfeito porque ele mesmo já possuía um arranjo próprio com Nikolai.

— Nikolai, o Imperador Bogdanov? — perguntou Morena, confusa, e a outra mulher pareceu surpresa, como se não houvesse um Nikolai por esquina em Argon.

— Nikolai, o primo de Yakov — retrucou Nadya e Morena arregalou os olhos.

Agora que ela dissera… era óbvio, não era? O pai do Imperador era um dos tios-avós de Aleksey e fora um dos líderes da conspiração contra a Coroa que mandara quase todos os membros da família
Barabash para a forca vinte anos atrás.

Bem, aparentemente além da mãe de Aleksey e do tio, também sobrara um primo.

— Bem, ele não deveria nem ter se tornado Imperador, não depois daquela bagunça. Mas ele é tão…— Nadya fez uma pausa, buscando pela palavra mais adequada, mordendo os lábios.— …limitado que ninguém nunca considerou que fosse um perigo. Só não contavam que o homem tivesse a sorte de se casar com a mulher mais inteligente de todo o Império e, de quebra, ainda chamar a atenção do homem mais escorregadio de Argon. Se não fosse por mim, Carina e Yakov, sinceramente, este país estaria relegado ao mais completo caos.

— Ah, e a Imperadora não tem nada a ver com isso? São só vocês que governam o país? — Morena comentou com uma mistura de humor e ultraje.

— Ela não estaria preocupada em fornecer a educação de magia para plebeus ou em melhorar produtividade das plantações ou qualquer outra dessas demandas ridículas do seu Conselho se estivéssemos em guerra. Pense nisso.

Nadya fez um gesto de que tudo aquilo era bobagem e Morena rangeu os dentes e se afastou, soltando o braço que ainda segurava. As duas continuavam andando lado a lado, e a esposa de Yakov ergueu as sobrancelhas, se divertindo com a reação antes de prosseguir com toda desfaçatez:

— Mas nada disso é importante, não é mesmo? O que importa para nossa conversa é que Yakov é sentimental demais e não consegue fazer o que precisa ser feito. Aleksey só está vivo porque Yakov permitiu isso.

— Que curioso — disse Morena, lambendo os lábios. — Porque Yakov só está vivo porque Aleksey permitiu isso.

Nadya gargalhou, deleitando-se com a resposta.

— Eu sabia que você ia me entender. Consegue enxergar onde você entra nessa equação, não?

— Você quer que eu te ajude a se tornar uma Princesa? — Morena falou em descrença, numa quase gargalhada.

— Me escute um minuto e veja se a proposta te agrada. Caso contrário, seguimos cada uma para o seu canto.

Já imaginava qual seria sua resposta, mas queria saber o que ela sugeriria, tanto por curiosidade quanto por precaução. Talvez assim conseguisse entender melhor que tipo de ameaça essa mulher representava, porque era incapaz de decifrá-la até o momento. Certamente ela não sugeriria Morena matar Aleksey, porque sabia que receberia um sonoro “não”, mas era incapaz de imaginar qual seria sua outra proposta.

— Você sabe, meu casamento com Yakov é extremamente bem-sucedido. Algumas pessoas têm essa visão de que o casamento precisa ter um monte de requisitos, coisas como paixão, amor e dedicação, mas nada disso é verdade. Nada disso segura um casamento. — Ela lançou um olhar condescendente para Morena, para deixar claro o que achava da escolha que fizera. — O que segura um casamento são objetivos compartilhados e a união entre as pessoas que fazem parte desse laço para alcançar esses objetivos, de forma incondicional. Eu e Yakov temos desejos muito parecidos para as nossas vidas e, mesmo que eu não sinta paixão alguma por homens e ele não tenha paixão alguma por mulheres, nós funcionamos bem. Somos um time, uma parceria inabalável.

— Minha ajuda requer escutar todas as suas confissões? — Morena questionou e Nadya parou, voltando a pegar no braço dela, e dessa vez, não pareceu que deixaria Morena se desvencilhar facilmente.

Estavam longe o suficiente do resto das pessoas para que ninguém as visse, mas perto o bastante para conseguir ouvir o burburinho do grupo de caça à distância, as árvores um pouco mais densas a essa distância da trilha que seguiam.

— Não, eu quero que você entenda que o que você compartilha com o seu marido não funciona da mesma forma — disse Nadya, virando-se para encará-la. — Eu consigo ver direitinho como tudo vai acontecer. Ivan Irinin nasceu para ser Alquimista, não para viver na Corte e ser a parceria que você precisa. Ele está sempre a um projeto de distância de largar tudo e voltar para a Azote, onde pode fazer o que gosta. Isso daqui não é o habitat natural dele. Vocês podem até ter objetivos em comum quando se trata de Alquimia, mas mais importante do que isso, na parte que é a diferença entre a vida e a morte quando se trata da Corte, não. Ele é carismático e sabe se portar, é claro. Um homem com a linhagem dele não poderia ser diferente, mas ele não pertence a este lugar. É só questão de tempo até ele te deixar.

— Você nunca sequer conversou com ele, Nadya, não tem como saber nada disso — retrucou Morena, desvencilhando-se, mas sem conseguir apoio para ir mais adiante.

Ela recuou até bater as costas contra uma árvore alta de tronco largo, a superfície irregular da madeira pressionando contra o tecido fino de algodão da blusa, e Nadya colocou os braços um de cada lado da cabeça dela, encurralando-a.

— Aleksey, por outro lado, é perfeito para você — disse a outra mulher, ignorando o que fora dito. — Ele é sua metade perfeita, com os mesmos objetivos na Alquimia e na política, e, se as coisas tivessem saído conforme eu planejava, ele estaria casado com você há anos, deixando o caminho livre para Yakov e eu. Não é tarde demais para isso, você ainda não tem nenhuma herdeira. Pode evitar completamente o sofrimento de ser abandonada por seu marido e facilitar as coisas. Nós podemos agilizar tudo para ambos os trâmites, o divórcio e o novo casamento. Você sequer precisa se livrar de Ivan, eu sei que na sua religião há aquele tipo de casamento em que mais de duas pessoas se unem… Só não aconteceria legalmente, mas não faria diferença alguma na prática. Ele poderia voltar para a Azote, continuar sua pesquisa, esporadicamente encontrando com você e Aleksey. Todo mundo seria mais feliz assim.

Morena piscou algumas vezes, atordoada ao encarar a mulher à sua frente que falava tudo aquilo com voz baixa e tranquila. Ela própria já havia cogitado um cenário como aquele, em uma outra vida em que ela se aproximara de Aleksey antes de Ivan, em que escolhera se casar com ele, mas ainda tendo Ivan em sua vida. Já imaginara também uma vida em que Aleksey e Ivan estavam casados e ela era parte da vida deles. Nenhum dos cenários a desagradava, nenhum parecia terrível. Para ela, o importante é que estivessem juntos; a configuração não fazia diferença.

O absurdo não estava naquele arranjo, e sim em Nadya presumir que conhecia os três o suficiente para saber o que era melhor para eles. Estava na acusação infundada de que Ivan a deixaria, na forma como tratava Aleksey como uma criança incapaz de tomar decisões por conta própria.

— Se você acha que Aleksey abriria mão do título para Yakov em qualquer circunstância, você definitivamente não o conhece — vociferou ela em resposta e Nadya abriu um sorriso resplandecente.

— Mas vocês têm exatamente o mesmo objetivo final! — Ela fez um biquinho de frustração. — Vocês três, na verdade, e acho que conseguiriam convencê-lo se for para alcançar isso. Para mim, é a melhor alternativa, e Aleksey poderia sair sem nenhum arranhão dessa confusão.

Morena sentiu a raiva subir pela garganta com a ameaça velada e finalmente aproveitou o susto para inverter a posição delas, segurando a mão de Nadya contra o tronco da árvore acima da cabeça dela. Ela se debateu no lugar e Morena prendeu a outra, a cada segundo mais furiosa. A audácia daquela mulherzinha era inacreditável.

— Você não está entendendo, Nadezhda — sibilou Morena entre dentes. — Eu acho que você deve se achar brilhante, sendo tão responsável pela ordem em nosso país quanto diz ser, mas essa é a ideia mais absurda que eu já ouvi na minha vida. Você não me conhece, não conhece Ivan, tampouco conhece Aleksey. Eu não sei o que te fez pensar que meu marido me deixaria por um projeto de Alquimia qualquer, muito menos o que te fez imaginar que talvez eu considerasse me divorciar dele por uma ameaça boba como essa que acabou de fazer ou, pior ainda, o que te fez considerar por um sequer um minuto que Aleksey toparia qualquer etapa desse plano maluco… Nada disso é remotamente possível. Então, posso oferecer uma alternativa.

O peito de Nadya subia e descia, arfando, e ela estava com os olhos arregalados, as pupilas dilatadas. Morena não sabia dizer se o que ela sentia era medo e a outra mulher umedeceu os lábios vermelhos, abaixando o olhar para os lábios de Morena. Subitamente, estava ciente da proximidade entre as duas, a forma como a coxa dela estava entre as pernas de Nadya, prendendo-a no lugar, os poucos centímetros que separavam os seus corpos. Suas bochechas arderam, mas não se deixaria abalar por uma mulher bonita. Ela tinha força de vontade o suficiente para aquilo.

— Me diga então qual é, meu amor — disse Nadya num tom doce, dissimulado, completamente ciente do efeito que tinha causado em Morena. — Porque do jeito que eu vejo, só tem duas formas disso acabar, e você não gostaria de nenhuma delas.

— Do jeito que eu vejo, existem três formas disso acabar, e você não gostaria de nenhuma delas — retrucou Morena e Nadya deu um meio sorriso, parecendo se deliciar a cada segundo de interação. — A primeira é você se separar de Yakov e se casar com o Príncipe Sokolov.

— Ele tem sessenta anos e absolutamente ninguém o aguentou o suficiente para considerar casamento com ele! — disse Nadya com ultraje.

— A outra é você se contentar com o que tem agora e deixar Aleksey em paz — continuou Morena. — Para a última, você precisa lembrar de que Aleksey pode ser sentimental e não querer dar cabo de Yakov, mas você não tem o sangue dele, Nadya. Você não é nada para ele além de uma pedra no sapato. E toda vez que você considerar incomodá-lo nem que seja um milímetro, jogar qualquer joguinho como aquele que fez no jantar do primeiro dia, machucá-lo de qualquer forma, lembre-se que Mièdz é conhecida pelos pântanos venenosos que conseguem dissolver um homem adulto dentro de minutos.

— Você está me ameaçando, Princesa Górski? — perguntou Nadya com humor na voz.

— Estou apenas te lembrando gentilmente fatos que pode ter esquecido e que serei grata de relembrar a você sempre que precisar. Tudo depende do que fizer.

— Quanta gentileza! Estou até emocionada com essa consideração.

— Pois bem, espero que estejamos entendidas — disse Morena e soltou Nadya, com brusquidão. — Se eu souber que fez qualquer coisa com Aleksey, voltaremos a conversar. E da próxima vez, eu não vou ser tão gentil quanto agora.

Com a respiração afetada, Morena se virou para deixar Nadya para trás, irritada por ter dado trela para uma conversa tão sem pé nem cabeça. Ao menos conseguira intimidá-la um pouco, e esperava que pensasse duas vezes antes de falar com Aleksey no futuro. Quando ela se afastara mais um pouco, Nadya a chamou novamente:

— Morena?

Ela não disse nada, até Morena se virar, os punhos cerrados. Então, deu um sorrisinho.

— Eu não queria me intrometer, mas acho que talvez você devesse perguntar ao seu marido sobre o projeto de pesquisa patrocinado pelo Imperador, do qual ele atualmente faz parte. Imagino que esse não seja um projeto de Alquimia qualquer.

De todas as coisas que foram ditas naquele dia, foram aquelas palavras que acompanharam Morena durante todo o trajeto de volta até a cabana, perseguindo-a até durante o banho. Percebera tarde demais que a proposta anterior fora apenas um joguinho, um teste para ver qual era o ponto que brincava com suas inseguranças e plantar uma dúvida. E Morena caíra direitinho, abaixando a guarda justamente na hora em que não deveria.

Nadya estava mentindo. Ivan contaria para Morena se estivesse envolvido em algo grande assim, não tomaria uma decisão dessa magnitude sem consultá-la. No entanto, Nadya falara com tanta segurança. E se ela soubesse de algo que Morena não sabia? E se aquele detalhe em sua história, de Ivan deixá-la por um projeto de pesquisa, na verdade fosse uma realidade?

Continua…

--

CRÉDITOS

Autora: Isabelle Morais
Edição: Laura Pohl e Val Alves
Preparação: Laura Pohl
Revisão: Bárbara Morais e Val Alves
Diagramação: Val Alves
Título tipografado: Vitor Castrillo

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Não se esqueça de entrar no clima da história com a playlist no Spotify!

A próxima Noveletter, com a segunda parte do sexto capítulo de Estudo sobre Amor e outros venenos letais, sairá no dia 29/12.

Desejamos um feliz natal para você e todos as pessoas queridas na sua vida! <3

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