Capítulo 11 [Parte 1] - Estudo sobre Amor e outros venenos letais
Olá para você que nos acompanha!
Finalmente estamos aqui com a RETA FINAL de Estudo sobre Amor e outros venenos letais, com a parte 1 do Capítulo 11! É impressionante, quando a gente acha que esses três vão ficar felizes vem mais um tio uma coisa para atrapalhar…
Mas a indústria de tecidos da Noveletter inaugurou e agora está a todo vapor, produzindo panos para todo mundo passar para o Ivan! Se até Morena e Aleksey já começaram o processo, quem serei eu para julgar? Quem é que nunca tomou uma decisão errada na vida, sabe? Agora, só falta torcer que o Ivan CONVERSE com eles! Ou que não fique muito desolado quando voltar e não achar os dois. Isabelle Morais não seria tão cruel assim, seria?
Antes de te deixar com o primeiro pedaço do capítulo, tenho um aviso para te dar: como este capítulo foi dividido em duas partes para melhor leitura (ele é bem grande!), então o nosso e-book sofreu um leve atraso no Catarse, mas a nova previsão é que ele, extraordinariamente, estará disponível até o dia 31/03 para quem nos apoia por lá, poucos dias depois do envio do final da história (já disponível para apoiadores recorrentes). Estou avisando de antemão, caso lhe interesse!
E a primeira parte deste capítulo está enorme de verdade (Isabelle Morais é muita coisa, e controlada não é uma delas), então aproveite muito…
Estudo sobre Amor e outros venenos letais!
Avisos: esta obra de ficção contém/menciona comportamentos tóxicos, quadro depressivo, familiares abusivos e tentativa de homicídio.
Você pode saber mais detalhes sobre termos, apelidos e nacionalidades ficcionais, e outros personagens através do Guia de Leitura.
Os Santos pareciam ter caprichado naquele dia, como se estivessem dando sua benção ao que na noite anterior. Quando Ivan saiu da cabana, o céu exibia um degradê azul sem nenhuma nuvem para manchá-lo, e o mar se estendia abaixo em um tom mais profundo, o som das ondas embalando o dia. As plantas do jardim pareciam mais verdes, viçosas, e o perfume das flores pesava no ar. Ivan poderia jurar que até o mármore da casa das Mednikov parecia mais branco e brilhante, os frisos e ornamentos mais nítidos e bonitos.
Até alguns minutos antes, Ivan diria que era o dia perfeito para a sensação de leveza, de resolução, de felicidade que tivera ao acordar com Aleksey e Morena ao seu lado. Era como a vida deveria ser, Ivan servindo os dois como precisavam e mereciam, cuidando de todas suas necessidades para que não precisassem se preocupar com mais nada. Sentia que nascera para aquele tipo de devoção incondicional, que o fazia se sentir tão calmo, tão satisfeito, tão completo.
No entanto, talvez não fosse tão bom em sua devoção quanto pensava antes. Se fosse, Aleksey não teria hesitado nem um momento em procurá-lo quando precisou e não teria buscado refúgio nos braços de outra pessoa. Se fosse, Aleksey não teria recusado voltar para a casa de Morena e Ivan sempensar dois segundos. Não era como se Ivan estivesse pedindo um absurdo — já acontecera antes, quando Aleksey se recuperava do tiro que levara de Yakov e, naquela época, Ivan fora buscar as coisas dele sozinho enquanto Morena ficava com Aleksey. Aleksey morar com eles não era algo novo. O que era novo era que, em vez de dormir em uma cama separada no quarto de visitas, eles poderiam ficar juntos até mesmo durante a noite.
Pensar em Aleksey sozinho, precisando contar com a ajuda de desconhecidos, deixava Ivan tão angustiado que parecia um peso em seus pulmões. Laszlo provara naqueles poucos dias como era completamente incompetente em manter Aleksey seguro, e era absurdo que Aleksey ainda cogitasse ficar sob a proteção dele. Não fazia sentido nenhum para Ivan que o outro rapaz não conseguisse ver como Laszlo era fraco e permissivo e como nunca seria páreo para qualquer plano que Yakov inventasse contra o sobrinho.
Ivan apagou o cigarro que estava fumando antes de pegar o longo caminho até as cozinhas, tentando distrair a mente antes que começasse a remoer ainda mais aquele sentimento. Levando em conta todas as variáveis do problema em questão, a conclusão que Ivan chegava repetidas vezes era a de que havia fracassado em expressar alguma coisa. Se, mesmo depois da noite anterior, de cada beijo, de cada suspiro, de cada toque, Aleksey ainda hesitava em confiar nele, era culpa somente de Ivan, e estava claro que não fizera o suficiente. Aquele sentimento era como uma bomba-relógio, dando seu compasso para conquistar Aleksey completamente antes que pudesse perdê-lo de vez.
Talvez Morena estivesse certa e o problema fosse Ivan, o jeito que ele amava, tão intenso que fazia Aleksey querer manter uma distância segura, tão estranho que fazia sua esposa ter medo de que não fosse real.
Ivan passou uma mão no cabelo, suspirando, tentando guardar todos aqueles sentimentos em uma caixinha, e então escondê-la de novo no fundo da mente. Precisava focar nas suas próximas tarefas práticas — pegar o café da manhã, fazer um chá para Morena, passar o dia inteiro paparicando a esposa e o melhor amigo na cama, conversando sobre tudo e nada ao mesmo tempo. Nenhum daqueles sentimentos ruins o ajudariam, e ele não precisava se preocupar, não de verdade, não quando finalmente estavam juntos.
O caminho mais curto para as cozinhas era o que o passava pelo pátio logo acima dos jardins, onde acontecera o banquete da primeira noite. A memória do jantar parecia ter acontecido há anos, parte de um pesadelo muito longo do qual Ivan parecia ter acabado de despertar. Enquanto atravessava o chão de mármore e olhava para as luzes penduradas entre as árvores, era impossível não lembrar da dor que sentira todas as vezes que via Morena chorando por causa de Aleksey, da impotência de não conseguir fazer nada para ajudá-la, da dor no peito que surgia todas as vezes que ele queria compartilhar algo com Aleksey, mas não podia sequer chegar perto dele. A agonia dos últimos meses parecia um animal selvagem dentro de Ivan, afiando as unhas enquanto esperavam por Aleksey dia após dia, a certeza de que ele mudaria de ideia diminuindo a cada mês que passava.
E pensar que tudo poderia ter acabado muito antes, se não fosse por Laszlo.
Apesar de tudo, não havia como se lembrar da dor dos últimos meses sem pensar em tudo que acontecera naquela manhã, do sorriso suave que Morena lhe dera logo antes de beijá-lo, dos suspiros de Aleksey enquanto os dois o tocavam, da forma como o amor que sentiam parecia transbordar a cada gesto, a cada palavra. Não tinha como não sorrir ao pensar em Aleksey chorando de felicidade. Ele dissera para Aleksey que aquilo era uma pequena benção, mas parecia mais um milagre, uma causa impossível que, de alguma forma, haviam conquistado.
E se Ivan fora capaz de resolver todo aquele emaranhado entre os três, era capaz de resolver qualquer coisa. Só precisava de paciência. Era questão de tempo até Aleksey deixar Laszlo e seguir de forma permanente para o quarto deles, para a cama deles, para a vida deles. Talvez até pudessem viajar para Tantalum, e Aleksey pudesse virar oficialmente o segundo marido de Morena, seguindo as leis dos aishin. Aleksey ficaria muito bonito com o vermelho e o dourado das jaquetas bordadas de casamento dos aishin, e talvez mais bonito ainda enquanto estivesse sendo despido. Só de pensar, Ivan sentiu as bochechas esquentarem e decidiu que valeria a pena viajar para a cidade da família do sogro e enfrentar a avó de Morena e o batalhão de tias que ele tanto temia para presenciar aquela cena.
Estava perdido em pensamentos bem mais agradáveis quando se aproximou da porta e da janelinha que davam para as cozinhas. A janela estava fechada com duas portinholas de madeira, e Ivan bateu com dois dedos na madeira, esperando alguns segundos até um serviçal abrir. Pediu frutas, geleias e pães, coisas que sabia que Morena poderia comer e que ele poderia dar na boca de Morena e de Aleksey quando voltasse para a cabana, no início de uma brincadeira que poderia virar algo mais quente depois. Quando o rapaz fechou a janela pedindo para Ivan aguardar, Ivan se recostou contra a parede com os braços cruzados, os olhos perdendo o foco na pequena fonte que ficava no centro de um jardim lateral mais à frente.
Era algo que ele nunca entendera, a fissura que os nobres de Argon tinham com jardins. Mesmo nas duas capitais, empilhadas de casas e prédios como eram, parecia haver uma competição de quem tinha o jardim mais bem cuidado, o jardim de inverno mais elegante ou outra bobagem qualquer, sendo que não eram nem eles que plantavam e cuidavam das plantas. Não era como a estufa que Morena construíra no quintal da casa deles em Cinnabar e que começava a encher de espécimes, onde plantas floresciam e cresciam graças a muita atenção da dona. Desde que se graduara como Extraordinária, Morena parecia dedicar mais e mais tempo às flores, principalmente aos finais de semana, trabalhando nelas enquanto Ivan se perdia nas leituras que fazia no laboratório do porão da casa.
Ainda estava pensando em flores quando ouviu as gargalhadas de um grupo que se aproximava e empertigou-se, entrando em pânico ao perceber que não só sua roupa era simples demais para a Corte, como também a blusa estava amarrotada e o cabelo bagunçado. Também não havia pegado um anel sequer, então não tinha nem um feitiço para se camuflar. A fofoca correria solta se vissem o Príncipe de Mièdz daquela forma, chamando-o de desleixado, criando boatos sobre a situação financeira da província, sobre como não tinham um mínimo de dignidade e toda a ladainha costumeira. Sabia exatamente que usariam aquilo para diminuir Morena a toda e qualquer oportunidade. Olhou de um lado a outro e percebeu que se tentasse se manter imóvel, ninguém olharia duas vezes na direção dele e o tomariam por um serviçal qualquer.
O grupo entrou em seu campo de visão, uma dúzia de homens e mulheres parecendo um bando de galinhas, as roupas cheias de plumas e babados, alguns carregando sombrinhas de renda que não tapavam o sol, as risadas, uma cacofonia de cacarejos. Eram seguidos por meia dúzia de serviçais que carregavam toda sorte de coisas — bebidas, comidas, cadeiras, cachorros de colo — e pareciam seguir na direção da praia. Ivan reconheceu quase imediatamente o homem e a mulher que vinham atrás do grupo, conversando com as cabeças próximas uma da outra. O homem vestia uma roupa ainda mais absurda do que a do resto do grupo, algo que o assemelhava aos pinguins que visitavam o litoral da Azote na primavera, o cabelo preto escondido sob um chapéu preto, o rosto diferente de todo o resto do grupo: era Ashbury, o mago de Irídio. Ivan sentiu um calafrio quando percebeu que a mulher ao lado dele era Nadezhda Lyubievna, a tia de Aleksey, e era óbvio que só havia um assunto sobre o qual os dois estariam conversando.
Ivan levou uma mão ao rosto, tentando se esconder para que nenhum dos dois o reconhecesse e chamasse a atenção do grupo, sentindo o estômago revirar. Pior do que a fofoca sobre seu desleixo seria a reação de Morena se a fofoca fosse outra, uma mais próxima da verdade. Ele sabia que Morena já não reagiria bem quando ele contasse, se o fato de que o marido estava trabalhando em uma pesquisa com o Imperador chegasse a ela por alguém que não fosse ele, Ivan tinha certeza absoluta de que era um homem morto. Ivan tinha certeza absoluta que mereceria ser morto.
Implorou silenciosamente aos Santos para passar despercebido, mas sua cota de milagres parecia ter se esgotado com Aleksey, porque sentiu o momento exato em que Nadezhda o viu. Torceu para ela continuar seu caminho, mas quando ousou olhar novamente na direção do grupo, ela já tinha se despedido, e eles se afastavam enquanto ela observava o grupo com uma mão na cintura.
— Inferno — murmurou ele, passando uma mão no rosto e desviando o olhar, torcendo para que ela o ignorasse, achatando-se contra a parede como se pudesse desaparecer.
A esposa de Yakov esperou o grupo desaparecer antes de se virar na direção de Ivan, e ele sentiu sua alma gelar com o sorriso que ela ofereceu. A cada passo, o coração acelerava mais, e ele enfiou as mãos nos bolsos para que ela não visse o quanto ele estava tremendo. Se qualquer um os visse juntos, não seria difícil deduzir a verdade.
— Príncipe Lupokhin, espero que esteja passando bem? — disse Nadezhda, apoiando uma mão na parede ao lado de Ivan. — Posso ajudar em algo? Está com algum problema nas acomodações?
— Nós só perdemos a hora, e vim buscar nossa refeição — murmurou Ivan, com um gesto vago, sem encarar a mulher. — Muito obrigado pela preocupação, mas não precisamos de auxílio nenhum.
— Ah, mas é claro. Senti falta de vocês nas refeições da manhã e até pedi para guardarem a comida de vocês. — Nadezhda se aproximou da janela e bateu na madeira em um ritmo específico, fazendo-os abrir as portinholas em tempo recorde. — Viktor, prepare a cesta deles com as refeições da Princesa Górski. Pode colocar o café e o almoço. — Com isso, Nadezhda olhou de soslaio para Ivan e deu uma piscadela. — Não queremos que nossa Princesa passe fome.
Ivan franziu a testa e engoliu em seco com a forma com que ela falara nossa Princesa, a vontade de responder de forma malcriada quase levando a melhor contra seu bom-senso. Porém, era claramente uma provocação, e ele se recusava a morder a isca.
— Ah, também coloque uma porção extra de todos os itens — adicionou Nadezhda, fazendo um gesto vago.
— Além da dupla? — perguntou o jovem de dentro da cozinha, para confirmar, e Ivan demorou tempo demais para entender a implicação do que Nadezhda falara.
— Sim, além da dupla. Meu sobrinho querido também precisa se alimentar, não é mesmo? — disse Nadezhda e depois se virou para Ivan com um meio sorriso. — Não é verdade, Príncipe Lupokhin?
— Eu não sei do que… — Ivan murmurou o início da resposta, e Nadezhda levantou uma mão impaciente, interrompendo-o.
— Por favor, Ivan Irinin, não se faça de desentendido. Essa é a minha festa, eu sei tudo que se passa sob a extensão de meu domínio. Sei que o Barão Dudnik escapuliu do quarto ontem à noite para encontrar um dos seus trezentos primos, sei da orgia que fizeram no quarto rosa do terceiro andar, sei dos segredos que sussurraram em alcovas enquanto pensavam que ninguém ouvia. E sei que Aleksey se despediu do Príncipe Poroshenko mais ou menos às dez da noite de ontem, retornou à sua cabana e quando saiu, quase três horas depois, foi na direção da sua cabana e não voltou mais. Então, por favor, não finja que veio até aqui buscar comida só para você e sua esposa. Não para mim.
Ivan se calou, estreitando os olhos enquanto observava a mulher dar outras ordens na cozinha. Na noite anterior, estava tão chateado que sequer considerara a hipótese de ter alguém por perto, observando-os, pronto para contar tudo o que acontecera do lado de fora da cabana. Sentiu-se invadido só de pensar que aquela mulher sabia de qualquer coisa daquilo que se passara entre ele, a esposa e Aleksey, como se ela tivesse acabado de roubar um momento que era só deles. Ivan deveria ter sido mais esperto, não deveria ter se deixado dominar pelas emoções quando estavam em um território que claramente pertencia ao inimigo.
Quando o serviçal fechou a janela, Nadezhda se recostou na parede ao lado de Ivan e retomou a conversa:
— Agora, eu recomendaria que você fingisse que nada aconteceu para o resto da Corte. Não sei se gostaria do que diriam nesse caso. Tenho certeza que sua esposa ficaria ainda mais chateada.
— O que eu vou fazer ou deixar de fazer não é da sua conta — falou Ivan, cruzando os braços e imitando a postura dela.
— Ah, mas certamente é da conta da sua esposa. — Nadezhda tirou um leque de um bolso do vestido azul-claro,abrindo-o com um som alto. — Mas o que eu sei? O casamento não é meu. Não deve ser tão pior do que os boatos que correm por aí.
Ivan franziu a testa, ponderando as palavras da mulher sem olhar para ela. Não conseguia entender porque qualquer pessoa na Corte pensaria duas vezes nele, muito menos falaria a seu respeito, e parecia estranho considerar que alguém se interessaria pelo casamento de Morena ou com quem ela se relacionava. A aparência deles, para onde iam, o que faziam, isso tudo era compreensível. Era tudo sobre poder, sobre como precisavam estar vestidos impecavelmente aos bailes que frequentavam, quem prestigiavam, quem escolhiam como aliados. No entanto, a vida privada deles não dizia respeito a ninguém e não influenciava em nada o poder que tinham.
— Ah, você não sabe — disse Nadezhda em um tom conclusivo. Ela estralou a língua em desaprovação, abanando-se com o leque. — Talvez você devesse acompanhar mais sua esposa nos eventos da Corte, meu bem, e prestar atenção no que sussurram.
Os detalhes do casamento não diziam respeito àquela mulher, e Ivan se divertiu com a noção dela de que ele não acompanhava Morena nos eventos. Ivan não estava ali, naquela festa? Não frequentava os bailes e cafés para os quais Morena era convidada, ao lado dela, como seu parceiro? Ele não era culpado se ela quase não era convidada para nada, e, mesmo se a vida social da esposa fosse muito concorrida, ele nunca perderia tempo prestando atenção nos boatos que os cercavam. Porém, dizer que ele não era presente era um absurdo despropositado, algo que Nadezhda claramente falava só para tentar incomodá-lo.
O problema era que a curiosidade de Ivan quase sempre levava a melhor.
— Quais são os boatos? — Ivan finalmente mordeu a isca, e Nadezhda balançou a cabeça, fazendo-se de rogada, como se não fosse exatamente o que ela queria.
— Não é como se você fosse o marido padrão de Argon, Ivan Irinin. Você consegue imaginar o que falam, dado o histórico do seu pai. — Ela deu de ombros, e Ivan franziu ainda mais a testa. — Mas devo dizer que, embora não seja dada aos fuxicos despropositados, acho impressionante que não esteja envolvido nem mesmo com o Sovet. Era o mínimo que eu esperava, foi uma surpresa ver que optou por se manter completamente fora da vida política e por deixar sua esposa navegar essas águas sozinha.
Ivan não se envolvia com a vida política justamente por coisas como aquela conversa: ele detestava aqueles joguinhos de poder, aquelas brincadeiras cheias de objetivos ocultos que ele não queria se dar ao trabalho de entender, de indiretas que não significavam nada. Ele não poderia se importar menos com politicagens. Sabia que se quisesse se dedicar, conseguiria decifrar aquele mundo, compreender suas regras, mas para que perder tempo com algo tão inútil? Ele sabia o básico para atuar em sua posição com primor, e era isso. Não sentia a necessidade de se estender mais em um ambiente que era tão desagradável.
— Ela não precisa de ajuda para navegar lugar nenhum — Ivan optou por responder, sem se explicar ou se alongar, esperando que Nadezhda fosse embora depois da resposta.
— Ah, é claro que não. Sua esposa é um deleite, mal posso esperar para vê-la daqui a dez, quinze anos, tão segura quanto poderosa. Ela será uma oponente perfeita em breve. — Nadezhda umedeceu os lábios. — Mas é mais fácil quando se tem companhia. Com a pessoa certa ao lado dela, ninguém a seguraria.
Ivan ficou em silêncio mais uma vez, observando-a de soslaio e viu a mulher se empertigar, parecendo irritada por ele demonstrar nenhuma reação àquele comentário. Era claro que Ivan sabia o que ela queria dizer: ele não era a pessoa certa. A pessoa certa era Aleksey, que era tão efervescente politicamente quando Morena, que estaria ao lado dela como um aliado e como um parceiro em tudo que acontecesse na Corte.
Ele não reagira porque Ivan já sabia disso, já sentia isso há anos. Ele não era o marido da política de Morena, e na Corte era praticamente inútil. O que Nadezhda não parecia perceber é que ele entregaria esse papel à Aleksey com prazer, satisfazendo-se em ficar em casa cuidando dos filhos que teriam, com a liberdade para fazer todo tipo de pesquisa que desejasse e inventar tudo que passasse por sua mente.
— Bem, espero que tenha aproveitado a folga. — Nadezhda quebrou o silêncio, desencostando-se da parede. — Há muito trabalho a fazer quando voltar.
— Ah, não, pelo visto não tenho não, uma vez que não sou esse expoente político que esperam que eu seja — debochou Ivan, e Nadezhda riu, parecendo se surpreender com aquela resposta malcriada.
— Ah, mas você tem senso de humor, olha só. — Ela constatou com o olhar aguçado de alguém que estudava um novo animal descoberto nas colônias. — Talvez devesse usar um pouco dele nos seus relatórios ilegíveis.
Ivan ergueu uma sobrancelha, sentindo uma pontada de irritação. Não era culpa dele se ela não era Alquimista e nem se esforçava para entender o que estava escrito. No fim, era ele quem ficava com o fardo de fazer um trabalho duas vezes. Naquela altura, ele fazia os relatórios propositalmente mais difíceis só de birra, só para irritá-la, ciente de que qualquer coisa que fizesse precisaria ser refeita de todo jeito.
— Talvez você devesse voltar para a alfabetização se não consegue entender algo tão básico.
Nadezhda emitiu um som de ultraje, seguido por uma gargalhada e encarou-o deliciada, como se fosse a primeira vez que estivesse olhando para Ivan. De todas as coisas que ela fizera, aquela parecia ser a que mexera mais com ele: era óbvio que até duas frases atrás, ela não o considerava como uma pessoa. Ele poderia estar toda semana no subsolo do Palácio para reuniões e experimentos, pegando novos livros e entregando relatórios, mas ela nunca o vira como nada além do marido não-tão-perfeito-assim de Morena, o que era inadequado e que escrevia complicado. Nunca se dera ao trabalho de tentar conhecê-lo — e por que alguém se daria a esse trabalho? O poder que tinha na Corte era, afinal, o do marido de uma Princesa, vindo de um braço irrelevante de uma família nobre, um azarão que conseguiu uma boa posição e sequer valorizava isso. Fora da Azote e para quem não era Alquimista, ele não era ninguém.
E ainda assim, esperavam que ele se envolvesse com aquela gente.
— Acho que é mais fácil pedir para a sua esposa escrevê-los — disse Nadezhda, e Ivan se empertigou. — Andei lendo alguns dos textos que ela escreveu para o periódico do Sovet, e ela é brilhante e clara, talvez os únicos textos que fazem sentido em meio a toda aquela bobagem. Deveria aprender uma coisa ou duas com ela.
— Eu não vou cair nessa sua armadilha — respondeu Ivan, olhando na direção da porta da cozinha. Será possível que uma cesta de comida demorasse tanto assim? — Ou acha que esqueci que me fizeram assinar um compromisso de sigilo?
— Ah, mas acha mesmo que ela não faz nem ideia? — questionou Nadezhda, os olhos brilhando.
Ivan teve um mal pressentimento e desencostou-se da parede da mansão, batendo na madeira da janela novamente, agoniado. Nadezhda não jogaria aquela ideia na conversa sem ter sido pessoalmente responsável por fornecer os indícios. Ivan a encarou de esguelha, sentindo-se ingênuo por não tê-la levado em consideração. Achava que tinha tudo sob controle com Yakov, mas sequer se lembrara da existência da esposa do tio de Aleksey. Sequer considerara que a mulher que o acompanhava poderia ser relevante.
Precisamente o mesmo erro que sempre cometiam com relação a ele.
— Não quero nem imaginar a reação de Aleksey quando souber — continuou ela, com humor na voz, parecendo se divertir muito com aquela insinuação que fez o corpo de Ivan gelar. — Quanto tempo acha que conseguirá esconder tudo? O que ele vai dizer quando souber que você trabalha diretamente para o meu marido? Ah, como eu queria estar lá para ver.
A porta da cozinha se abriu e o mesmo rapaz que os atendera antes apareceu com uma cesta pesada, coberta por um pano, e entregou-a para Ivan. Ivan abraçou a cesta e agradeceu, sentindo o sangue rugir em seus ouvidos. Murmurou qualquer coisa como despedida para Nadezhda e não se virou quando ela o chamou novamente, apertando o passo para voltar para a cabana.
Como ele tinha sido burro. Burro. Pensara em absolutamente todas as variáveis menos nas que importavam, e foi só depois da provocação de Nadezhda que as coisas pareceram se conectar. Começava a entender o tamanho do buraco em que se encontrava, a tempestade que se assomava no horizonte. Ele dissera para Aleksey que estava em um projeto de pesquisa, como não considerara que poderia descobrir para quem Ivan trabalhava? Como havia sigo ingênuo em achar que estava no controle e ter baixado a guarda daquela forma.
Não haveria justificativa nenhuma que explicasse para Aleksey a traição que era Ivan aceitar qualquer proposta de Yakov. A sensação de que tudo estava por um triz agora lhe parecia bem mais racional: Ivan só havia deixado de lado aquele detalhe pequenininho que mudava absolutamente tudo. Compreenderia perfeitamente se aquele fosse o limite de Aleksey, a única coisa que ele consideraria inaceitável. Ivan não se arrependia da decisão — os últimos meses haviam sido muito interessantes, e ele avançara muito em várias questões de sua pesquisa e do seu interesse, o acesso aos recursos que ele nunca teria sozinho também era uma vantagem gigantesca, e também poderia controlar o que chegava a conhecimento de Yakov ou não — mas deveria redobrar o cuidado para manter aquilo em segredo.
Sentiu a garganta apertar com a ideia de perder Aleksey mais uma vez e sabia que Morena nunca, nunca o perdoaria se isso acontecesse. Ela poderia até se irritar diante do segredo, mas viraria uma fera se Ivan fosse culpado de Aleksey deixá-los novamente. Apertou a cesta contra si, caminhando mais rápido. Dos males, o menor. Ele precisava contar para Morena, precisava da ajuda dela para ajudá-lo a decidir o que fazer.
Estava no meio do caminho de volta para a cabana, no centro do jardim principal da parte de baixo da casa, quando avistou a silhueta que reconheceria em qualquer lugar caminhando na direção de onde ficavam os estábulos, o rabo de cavalo alto balançando a cada passo que dava.
Ele parou, observando os passos determinados da esposa, o coração quase saindo pela boca. Pensou em chamá-la, mas algo parecia errado. Algo havia acontecido no tempo em que estivera fora, disso ele tinha certeza.
Morena parou depois de alguns passos, como se tivesse sentido a presença do marido a observando de alguma forma, e quando ela se virou, Ivan teve certeza.
Ela sabia de tudo.
Continua…
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CRÉDITOS
Autora: Isabelle Morais
Edição: Laura Pohl e Val Alves
Preparação: Laura Pohl
Revisão: Bárbara Morais e Val Alves
Diagramação: Val Alves
Título tipografado: Vitor Castrillo
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A próxima Noveletter, com o final de Estudo sobre Amor e outros venenos letais, sairá no dia 06/04 (se deus quiser!!!).