Capítulo 11 [Parte 2] - Estudo sobre Amor e outros venenos letais (Fim)
Olá para você que nos acompanha!
Muito obrigada por ter nos acompanhado em mais essa jornada!
Eu e as chefinhas sabemos que Estudo foi uma montanha-russa de emoções e acontecimentos, muitos imprevistos aconteceram durante esse período, mas terminamos mais uma história sem ninguém morrer no percurso (ou será que morreu? Quer dizer, ainda tem esta segunda parte do capítulo 11, e nunca dá para saber com a Isabelle Morais, então…), e estamos muito emocionadas e extremamente gratas!
E tenho um aviso importante, que já tinha sido falado, mas não custa nada ressaltar: faremos uma pausa até maio, mas o e-book de Estudo já está disponível no nosso Catarse recorrente e ficará acessível para os assinantes até o dia 30/04!
E falando em coisas importantes… E o Ivan, hein? Será que ele vai conseguir conversar com a Morena, e expressar que tudo o que realmente importa pra ele (cof, cof, Morena e Aleksey)? Que ele estava fazendo merda com a melhor das intenções (Argon não deve ter aquele ditado “de boas intenções o inferno está cheio”)? Ou será que ele perderá Morena e Aleksey por toda a eternidade até o próximo livro?
Descubra a resposta para todas as perguntas com a parte final de…
Estudo sobre Amor e outros venenos letais!
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Avisos: esta obra de ficção contém/menciona comportamentos tóxicos, quadro depressivo, familiares abusivos e tentativa de homicídio.
Você pode saber mais detalhes sobre termos, apelidos e nacionalidades ficcionais, e outros personagens através do Guia de Leitura.
Ela sabia de tudo.
Ivan tinha duas opções: a primeira era fingir que não compreendera o que estava acontecendo, fingir que não conhecia sua esposa bem o suficiente para reconhecer o misto de confusão e raiva em sua expressão, fingir que não desconfiava a causa. A outra era encarar o problema de frente, como deveria ter feito meses atrás, até mesmo anos, quando Yakov fizera a oferta que ele deveria ter ignorado todas as vezes. Tomar vergonha na cara e resolver tudo antes que se tornasse um problema maior, antes que colocasse tudo a perder por bobagem, como acusara Aleksey de fazer na manhã que passaram na praia.
A primeira opção se parecia demais com uma traição para o seu gosto.
— Morena?
O coração de Ivan parecia querer sair pela boca nos segundos que ela demorou para responder, ainda o encarando com os lábios pressionados em uma linha fina e uma pequena ruga alojada entre suas sobrancelhas, o punho apertado até a pele marrom ficar pálida ao redor dos nós dos dedos.
— Ivan Irinin.
Ivan sentiu o estômago revirar, e o olhar da esposa parecia queimar sua pele. Ele agarrou a cesta com mais força, sentindo as mãos tremerem. Conseguia ouvir o rugido do sangue nos ouvidos e precisou fincar os tornozelos no chão para não obedecer a vontade dar meia volta e fazer de tudo para adiar ainda mais aquela conversa. Não haveria um depois se ele não conversasse com ela agora. No entanto, nunca tinha ficado do lado errado do olhar pelo qual a esposa era famosa, e agora que estava, as pernas estavam trêmulas e ele queria desaparecer, queria ajoelhar e pedir perdão, queria voltar no tempo e tomar decisões mais espertas. Era como se ela conseguisse ver sua alma, pesando todos os pecados e erros, e ponderando qual seria o melhor castigo.
Se arrependimento matasse, Ivan teria caído morto naquele instante. Aquele era o pior dos cenários, um que ele nunca considerara, um que ele não sabia calcular todas as variáveis — Morena descobrindo sozinha, antes que ele pudesse contar; Morena furiosa por Ivan ter escondido algo dela; Morena considerando se valia a pena continuar sendo sua esposa. O último pensamento provocou um calafrio na espinha, os olhos ardendo enquanto seus pensamentos se embaralhavam com o nervosismo. Deveria ter muito cuidado com o que falaria porque, com um passo em falso, ele a perderia — e só a hipótese de perder Morena causava uma dor física no peito.
Na ausência de palavras, Morena falou:
— Você tem algo para me contar?
No entanto, Ivan criara coragem o suficiente para dizer, ao mesmo tempo:
— Como você descobriu?
Por um instante, um sentimento que Ivan não foi capaz de identificar passou pelas feições da esposa, algo que lembrava muito decepção. Ivan sentiu um gosto amargo ao perceber que ela ainda esperava que fosse mentira, que aquilo fosse um engano. Mesmo sabendo da mentira, ela ainda confiava nele, e ele fechou os olhos, levando uma mão à ponte do nariz. Quando abriu os olhos novamente, Morena o encarava com a mesma expressão de antes, agora com as mãos na cintura. Ela deu um passo para se aproximar mais.
— Como eu descobri o quê, Ivan Irinin? — perguntou ela com um tom sobrenaturalmente calmo. Ivan mordeu a parte interna da bochecha por nervosismo, agradecendo silenciosamente por estar segurando a cesta e ter o que fazer com as mãos. — Eu vou perguntar de novo: você tem algo para me contar? Eu quero ouvir da sua boca.
— Meu bem… — começou ele, e ela ergueu uma mão com impaciência, interrompendo-o.
— Não me faça ficar ainda mais irritada me chamando assim, Ivan. — Morena deu outro passo, e ele precisou de toda a sua força de vontade para não dar passos para trás, para se afastar dela, para não largar a cesta e tatear os bolsos à procura de um cigarro para se tranquilizar. — Eu quero ouvir da sua boca, agora que você confirmou minhas suspeitas. Tem algo para me contar ou não tem?
A ameaça estava clara, pairando ali naquele ou.
Não era uma escolha de verdade.
Ela deu mais um passo e ficou precisamente na frente dele. Mesmo com Morena sendo mais de quinze centímetros mais baixa do que Ivan, parecia que ela o olhava de cima, fazendo-o se sentir pequeno. Os olhos cor de mel brilhavam mais amarelos do que castanhos no sol do verão, de forma quase sobre-humana, e, por um instante, Ivan se perguntou se as histórias que contavam sobre a esposa na Azote — que ela era um demônio de fogo, que havia alguma criatura mágica envolvida na linhagem de seu pai — eram verdade. A calma que exibia transcendia as barreiras humanas, ao mesmo tempo em que a raiva parecia arder em seu olhar, irradiando dela em ondas, atingindo-o.
E mesmo com toda a reação quase instintiva de medo e a culpa que consumiam seus pensamentos, ele não pôde deixar de reparar em como o cabelo preso no alto da cabeça revelava a curva do pescoço da esposa e as marcas mais escuras que apareciam por cima da gola da camisa, os sinais de onde Ivan chupara sua pele na noite anterior; não conseguir deixar de descer o olhar e considerar como a blusa simples ressaltava os seios fartos e desenhavam sua cintura; não pôde deixar de se lembrar de estar amarrado, sendo punido por seus erros, enquanto ela e Aleksey se tocavam. Engoliu em seco, sentindo o rosto corar por perceber que a perspectiva de ouvi-la falando daquela forma, da repreensão que se seguiria, de qualquer punição que viesse, na verdade o deixava excitado.
— Eu… — Ivan testou sua fala, a voz saindo mais rouca do que o costume, e ele desviou o rosto da direção de Morena, porque talvez assim conseguisse falar o que era apropriado para aquela situação, em vez de simplesmente se render a outros pensamentos menos produtivos.
No entanto, a esposa o segurou pelo queixo, firme, forçando-o a encará-la, os dedos afundando em suas bochechas, piorando a situação de Ivan quando o puxou até ficarem olho a olho.
— Você não vai fugir dessa vez — ordenou ela, firme, e Ivan fechou os olhos por um instante, a culpa e o tesão em uma mistura quase inebriante. — Não faça eu ter que me repetir uma terceira vez, Ivan.
— Estou fazendo uma pesquisa para o Imperador — sussurrou ele, encarando os olhos da esposa, e com cada palavra, parecia que ele se livrava de um peso nas costas. Pronto. Revelara tudo. Não havia mais segredo. Adicionou, mais alto: — É uma pesquisa secreta, direto para o gabinete do Imperador.
— Para Yakov — corrigiu ela, o ódio óbvio na forma em que ela falara o nome do tio de Aleksey, e afundou as unhas nas bochechas de Ivan, fazendo-o conter um som constrangedor e completamente inapropriado. — Para o fodido do Yakov, Ivan! De todas as pessoas desse planeta. Yakov. Para aquele filho da puta!
— Eu posso explicar… — murmurou Ivan, inclinando-se mais na direção dela, desejando que Morena o beijasse e mordesse-o e puxasse seus cabelos para descontar toda aquela raiva, que o empurrasse até um dos bancos e subisse em cima dele sem se importar que estavam no meio de um jardim, que o castigasse da pior forma possível, impedindo-o de sequer olhar para ela e Aleksey até voltarem para casa enquanto ele ouvia os dois se divertindo.
O que, ele supunha, não era a forma certa de resolver aquele problema.
— É bom que comece a explicar mesmo, porque se você demorar mais um minuto que seja, vou embora como eu planejava desde o início. — Morena o empurrou, fazendo-o andar para trás até chegar em um banco, e ele se sentou, sem falar nada, acomodando a cesta ao seu lado em um movimento automático, as mãos trêmulas de antecipação e ansiedade.
Foi só depois de sentar que ele compreendeu o que ela acabara de falar.
— Você ia me deixar? — A voz de Ivan saiu aguda, e ele limpou a garganta. Aquele não era um dos castigos que ele gostaria. Imaginou como se sentiria ao voltar para a cabana e encontrar tudo vazio. O coração dele estremeceu.
Ela não faria aquilo, faria?
— Você acha que eu estaria tão contida se tivesse esperado na cabana com Aleksey? Se eu esperasse mais dez, quinze minutos? — Morena crispou os lábios, olhando ao redor. — Se a gente não estivesse em público? Então aprendi com você. Ir embora, para pensar melhor, talvez nunca mais trazer o assunto à tona de novo. Quem sabe ser pega beijando alguém quando você voltar para casa, quem sabe fazer algo para você entender uma fatia pequena do que eu estou sentindo agora, em retribuição. — Ela abaixou o tom, segurando-o pelo braço, e Ivan desviou o olhar. — Quem sabe assim você entenderia o sentimento de alguém só ir embora sem te falar o porquê. Você foi rápido o suficiente para ensinar isso a Aleksey, talvez fosse hora de você aprender essa lição.
Ivan abaixou a cabeça, olhando para o chão, sentindo o calor subir pela garganta até o rosto, a culpa engolindo qualquer outro pensamento. A mera ideia de que ela o deixaria para trás, sem explicação nenhuma, em uma situação como aquela, causava um desespero aterrador. Era óbvio para ele que suas escolhas eram feitas para evitar algo pior, para manter a paz no casamento deles. Morena fazia a mesma coisa com frequência — mas na tentativa de lembrar de alguma ocasião, não conseguiu nenhuma memória em que ele não sabia exatamente o motivo de ela ter trocado o assunto.
— Você preferiria que virasse uma briga? Que a gente se desentendesse até gritarmos e falarmos coisas que não queremos? — A voz dele saiu como um fio.
— Eu preferiria que você conversasse comigo, da forma que fosse — enunciou ela, e Ivan lembrou da conversa que tivera com Aleksey, sentindo uma pressão na cabeça. Ele deveria ter considerado mais a sério que agora os dois iriam se juntar naquela frente contra ele. — Mas agora é tarde, Ivan. Se você não queria uma briga, não teria mentido para mim todos esses meses! Se não quisesse uma briga, teria coragem de olhar na cara de Aleksey e dizer que tinha se colocado completamente à mercê de Yakov antes de enfiar a língua na boca dele! Se não quisesse uma briga, teria parado para pensar um minuto sequer antes de fazer as coisas. — A voz dela ficou aguda ao final da frase. — Você pararia de ficar agindo sozinho, como se nós não fossemos parceiros. Eu não tomo uma única decisão séria sem perguntar o que você acha. Eu esperava que isso fosse recíproco.
— Eu considero você o tempo todo — falou Ivan, erguendo o rosto para encará-la, uma irritação que ele não sabia que estava sentindo transparente em sua voz. — Tudo que eu faço é para você. É porque eu te amo e me preocupo com você e não quero te perder. É por Aleksey também, mesmo quando ele não estava por perto. Eu não menti para você, nunca mentiria. E nunca faria nada para prejudicar Aleksey! Eu só não queria trazer mais nenhum problema, não quero ser um fardo, uma coisa inútil que só atrapalha a vida de vocês dois. Eu não podia chegar em casa e só contar da minha decisão sem mais nem menos. Não podia adicionar mais uma preocupação para você, considerando tudo o que estava acontecendo.
Era como se o que sentira na noite anterior tivesse se transformado em algo amargo, quase como um veneno, enquanto ele não estava olhando, nas horas em que estivera guardado. A sensação era detestável. Ele detestava aqueles sentimentos que não conseguia entender ou controlar, detestava a ideia de que a sua estratégia para evitar problemas o tinha deixado em um lugar pior. Esperou que a resposta dela fosse tão ácida quanto o que ela falara antes, mas o olhar de Morena se suavizou, e ela se aproximou dele no banco para se sentar. Ela desceu a mão que o segurava no braço até entrelaçar os dedos nos dele, surpreendendo-o.
— Você nunca é um fardo para mim, Ivan — disse Morena, e Ivan sentiu os olhos arderem. — Você nunca é um problema, você não é inútil. Você não é uma coisa. Você é meu marido, meu parceiro, a pessoa em quem confio cegamente. A única coisa que espero de você é que esse sentimento de confiança seja recíproco. Que você saiba que eu estou aqui para você e que eu saiba que você está aqui para mim. Se quebrarmos isso, o que fica?
— Eu sinto muito. — Ivan puxou a mão dela para beijá-la, e ela deu um suspiro cansado que o fez querer abraçá-la. — Eu só não vi como…
— Você poderia ter dito “Morena, meu amor, recebi um convite para uma pesquisa e queria saber sua opinião”, por exemplo. Era só me falar qualquer coisa! — Morena parecia frustrada, e ele a puxou mais para perto, finalmente cedendo ao impulso de abraçá-la. Ela enfiou a cabeça no peito dele, envolvendo os braços no pescoço dele, e concluiu: — Eu não iria fazer uma confusão por uma coisa dessas. Eu nunca crio confusão nenhuma.
— Mas você iria dizer não — retrucou Ivan, apoiando o queixo na cabeça dela, sentindo os músculos relaxarem com a proximidade da esposa. — Falar que era absurdo, que eu não deveria me aproximar de Yakov. Que o convite era uma armadilha.
— Ah, então você aceitou sabendo de tudo isso. Que engraçado. — Morena ergueu o rosto, olhando-o com as sobrancelhas levantadas. O jeito que ela falou a última palavra fez Ivan dar um meio sorriso, e ela o imitou, embora não houvesse nenhum humor real presente na expressão. Ela passou os dedos pelo cabelo de Ivan, puxando-o suavemente, fazendo Ivan morder os lábios. — Deve ter sido fascinante todo o processo dentro dessa cabecinha de sair de “isso é uma armadilha” para “vou fazer!”.
— Morena, meu amor…— Na ausência de reação negativa quanto ao chamado, Ivan envolveu o rosto de Morena com uma mão, acariciando sua bochecha. — Eu recusei. Eu recusei, várias vezes. Ele me abordou primeiro no dia da sua prova, quase dois anos atrás. Eu recusei. Depois, quando me graduei. Eu recusei. Depois, quando estávamos na Corte. Eu recusei.
Ivan suspirou, relembrando da forma como Yakov fora insistente e chato. Ainda tinha todas as propostas, os detalhamentos de pesquisa, as condições que ele oferecera em algum lugar no seu laboratório. A primeira de todas era inaceitável — ele teria que trabalhar exclusivamente nessa pesquisa, sem poder usar nada do que conseguira por meio deles em pesquisas próprias, e tudo que fizesse seria de propriedade da parceria entre Argon e Irídio.
— Só que depois de um tempo, eu comecei a me sentir… inútil — disse ele, em um tom de lamento. — Não consigo te ajudar de forma alguma, eu não tenho ocupação nenhuma, e eu não sou ninguém na Corte. Ninguém consegue ver o que eu faço nem se interessa por isso, não tinha ninguém próximo que conseguia acompanhar minhas conversas além de você e Aleksey, mas Aleksey não era uma opção. E, da última vez, Yakov veio preparado. Com tudo que eu poderia querer, com a completa liberdade de fazer tudo em casa e no meu ritmo, de reaproveitar o material para outras coisas, de poder acessar tudo o que era produzido no laboratório do Imperador. Foi a primeira vez em meses que eu me senti animado com qualquer coisa e…
— Você aceitou — concluiu Morena, os olhos suavizando mais, os dedos dela deslizando pelo seu cabelo até a nuca de Ivan, e fazendo um carinho leve. Ela se aproximou mais, encostando a testa no ombro dele, abraçando-o mais apertado. — Ah, Ivan… Eu nunca quis que você se sentisse assim. Eu deveria ter ficado mais tempo com você. Poderia ter te oferecido uma ocupação no Sovet que não fosse uma coisa só de política. Eu poderia ter arrumado uma licença, pedido para Dayo voltar, nós poderíamos ter ido embora para a Azote e ficado lá, tinha um milhão de outras coisas que poderíamos ter feito para resolver isso.
Pelo tom da esposa, Ivan conseguia perceber que o que ela sentia era lentamente substituído por culpa, como se ela tivesse algo a ver com a sua decisão, como se fosse por falha dela que ele, um homem crescido, tivesse escolhido esse caminho. Ele a puxou para o seu colo, e Morena se acomodou, encaixando-se perfeitamente contra ele, levantando o rosto para beijá-lo no pescoço, quase como um pedido de desculpas.
Era uma situação absurda, ela se culpar por aquilo, e Ivan a abraçou ainda mais apertado, determinado a deixar seus corpos o mais próximo possível. Não era seu objetivo fazê-la se sentir assim por causa de sua história, ele só queria que ela entendesse a lógica por trás de sua decisão. Que acompanhasse seu raciocínio quando decidiu fazer parte daquilo. Ele afundou o nariz no cabelo dela, aspirando o perfume de jasmim dela, e falou:
— Não faria diferença. Eu aceitaria de todo jeito, em qualquer circunstância. Não havia nada que você pudesse fazer que poderia me impedir.
Morena se afastou o suficiente para encará-lo, os olhos ligeiramente arregalados, e depois franziu a testa. Ela saiu do colo dele, e Ivan imediatamente quis puxá-la de volta para continuar sentindo seu toque, que sempre o acalmava.
— E o que é isso que você está fazendo que é tão atraente? — Havia curiosidade na voz dela e um outro sentimento que era novo para Ivan, e ele não sabia identificar. — Qual é essa pesquisa que te prende no laboratório e te leva para longe de mim? Qual é essa coisa tão inevitável que você esconderia dessa forma?
— É uma coisa impressionante. — Ivan começou a gesticular, a empolgação voltando agora que finalmente tinha a oportunidade de explicar para alguém com quem se importava o que exatamente estava fazendo. — A ideia principal do projeto é aumentar a eficiência das travessias transatlânticas, mas, na prática, o objetivo central é reduzir ou eliminar os efeitos dos rebotes de magia. Grande parte do problema do motor de sifão que usam nos navios é que, como combina a magia do maquinista e o carvão para funcionar, isso acaba se limitando à capacidade mágica do maquinista. — Morena balançou a cabeça para mostrar que estava acompanhando até ali. Ivan sentiu uma animação, como se eles ainda fossem adolescentes, namorados, conversando sobre as suas ideias e suas hipóteses e pesquisas em algum lugar escondido da academia de magia. — Logo, há um limite de horas que alguém pode alimentá-lo sem desmaiar, e como nenhum Alquimista ou pessoa com alta aptidão para magia se coloca nessa posição, os maquinistas usam magia basicamente no estado mais bruto e sofrem muito mais suas consequências. Em Irídio, um maquinista só consegue trabalhar cinco anos antes do cérebro virar purê, completamente incapaz de fazer qualquer coisa sozinho.
— Você sabe que esse é um problema que seria resolvido ensinando quem trabalha essas máquinas a refinar magia. — Morena inclinou a cabeça para o lado como se fosse uma solução óbvia. — Essa é a proposta atual do Sovet que aparentemente os nobres preferem morrer a ter que aprová-la. Resolveria cerca de 80% dos problemas e aumentaria a eficiência em 47%, segundo o último relatório do grupo especial de pesquisa. Mas suspeito que o Imperador não esteja interessado em fazer isso.
Ivan parou um instante e ponderou suas palavras, sentindo uma pontada de vergonha ao perceber que nos meses desde que assumira sua posição como Princesa na Corte, ele lentamente se esquecera de como Morena era tão brilhante quanto ele, tão interessada em Alquimia quanto ele. Ele se esquecera de como Morena era uma parceria brilhante de pesquisa e uma pesquisadora excelente, de como suas ideias fluíam melhor quando conversava com ela. Ele se inclinou e roubou um beijo dela em um pequeno pedido de desculpas que ela nunca iria compreender, fazendo-a dar um pequeno sorriso, e continuou:
— O Imperador preferiria desfilar nu da Capital Vermelha até a Capital Azul do que fazer isso. — Morena deu uma gargalhada com a imagem conjurada por Ivan, e ele sorriu ao ouvir aquele som. — Eles consideraram aumentar o nosso motor de decantação, que precisa só de combustível e dura mais de uma semana sem precisar de recarga de magia, mas…
— Eu nunca permitiria isso — falou ela. — Nem o Sovet.
— Nem eu, por mais que pensassem assim no início — acrescentou Ivan e ele podia jurar que havia uma pontada de orgulho no olhar da esposa.
Morena inclinou a cabeça para o lado, ponderando o assunto.
— Bem, há um grupo de pesquisa no Sovet dedicado a esse problema, o que eles devem saber, e a conclusão até agora é que parece ser impossível fazer um motor de decantação com a potência que um navio transatlântico ou qualquer outra máquina do gênero requer. Teares, trens e afins? Funciona perfeitamente, mas não parece ser possível escalar os feitiços que vovó Jadzia criou para algo maior. Precisaríamos de outro material, outros feitiços, é praticamente um tipo de motor novo. — Morena ficou pensativa. — Eu acho que tem a ver com o tempo de decaimento da magia, mas acho que se você analisasse os detalhes, poderia compreender melhor do que qualquer um as nuances dessa questão.
Ivan abriu e fechou a boca, a culpa voltando quase redobrada. Percebia naquele instante como sentia falta de conversar com a sua esposa, de vê-la preenchendo as lacunas das ideias que ele tinha e vice-versa. Percebia como o relacionamento dos dois se transformara em algo utilitário — eles dormiam juntos, transavam, cuidavam um do outro, e só. Com a vida de Morena cheia de atividades, e Ivan guardando um segredo, não havia nada do relacionamento que tinham nos primeiros anos de casados, quando ainda estavam na Azote, quando viviam a efervescência de ideias que a academia de magia proporcionava. E aquela pequena conversa o relembrara de como ele amava a mente da esposa, a inteligência dela, além de todo o resto.
Além disso, estava claro que Morena estava certa: se Ivan tivesse conversado com ela sobre o assunto, sua esposa teria arrumado algo tão interessante quanto a pesquisa de Yakov, talvez até mais bem feita, com acesso a todos os recursos do Sovet e os convênios com outros Conselhos de Alquimia pelo mundo.
— Eu sinto muito — disse ele, surpreendendo Morena. Ivan sentiu os olhos encherem de lágrimas e coçou um deles, esperando que nenhuma delas ousasse escorrer pelo rosto. — Você tem toda razão. Você me daria outras opções, se eu tivesse falado com você. Eu deveria ter confiado em você… não deveria ter escondido… Eu…
Morena o abraçou, puxando o rosto dele contra o peito, passando uma mão no rosto do esposo e sussurrando palavras para acalmá-lo, e ele respirou fundo algumas vezes, fechando os olhos e beijando-a suavemente no decote da blusa que usava.
— É só isso? — perguntou Morena depois que ele se acalmou mais, soando decepcionada, e Ivan levantou o rosto, confuso. — A pesquisa que você tanto escondeu, que é inevitável, é só isso?
— Em teoria, é isso. Os pesquisadores por lá não sabem para onde estão indo nem o que fazer — disse Ivan antes de se endireitar. — Mas eles têm tantos textos, de tantos lugares, tão antigos. São inúmeros tratados, estudos e ensaios de Irídio, de Xenon, até daqui mesmo… Coisas que o Sovet nem sonha em botar as mãos, que não faço ideia de como conseguiram. É tanta coisa, e tão interessante. Tenho certeza que alguma coisa ali vai ser útil.
Morena estreitou os olhos, soando descrente:
— A família do seu pai é literalmente guardiã da maior biblioteca do mundo, você não precisava…
— Eu precisava, sim — disse ele, recusando a sentir culpa nessa questão. Mesmo se seu avô tivesse uma coleção semelhante, nunca permitiria que Ivan chegasse perto de nada tão interessante. — É uma equipe inteira de pessoas dedicadas só a estudar como rebotes funcionam e como minimizá-los, onde mais haveria outra coisa assim? O Sovet nunca autorizaria algo do tipo, nenhum dos Grandes Alquimistas de Xenon aprovaria algo assim, eu duvido que qualquer matriarca de Astatine achasse boa ideia. É como se fosse uma lei natural, imutável, e ninguém mexe nisso por medo. — Ele foi ficando mais acalorado quanto mais falava, sentindo a empolgação em finalmente compartilhar aquilo com a esposa. — Mas, e se fosse possível eliminar de vez os rebotes? E se não for uma lei natural, mas sim só uma dificuldade como atravessar um rio era séculos atrás, como era antes do motor da sua bisavó? E se em algum momento, alguém descobriu como eliminar isso, ou foi nessa direção em pesquisa e o segredo foi perdido?
— Como aquele livro que achamos aos dezesseis anos. — Morena franziu a testa, levando uma mão ao tórax de Ivan, logo em cima da tatuagem que os conectava, onde o tecido a escondia. Ela abaixou a voz para continuar: — O que te fez ter a ideia para as tatuagens.
— Que funcionam muito bem — falou Ivan, abaixando a voz no mesmo sussurro. — Que são uma forma de dissipar os rebotes. E se existir um jeito de fazer isso para todos os Alquimistas? Nós já sabemos que existem formas de diminuir isso. Em Astatine, usam magia quase sem consequência, com as matriarcas vivendo mais de um século com facilidade. Alguns povos das colônias de Irídio também parecem não demonstrar nenhuma sequela tão gritante quanto as nossas. Existe um jeito de evitar a decadência inevitável que acompanha a magia, tenho certeza disso. Você já imaginou como seria se o que aconteceu com a sua mãe pudesse ser evitado? Se o que aconteceu com a minha avó não fosse o único destino de todos os Alquimistas? Que acabar como a mãe de Aleksey não seja a única opção? Não precisamos pagar com a nossa mente e nossa saúde, Morena. Um outro caminho pode ser possível.
O silêncio que ficou após o discurso dele pareceu aquietar o mundo.
— E se fosse você quem descobrisse isso? — perguntou ela de volta, e Ivan se sentiu um pouco envergonhado com a ideia, mas ela parecia mais interessada na lógica do que alguém que pronunciava um julgamento. — E se fosse o seu nome ao lado da descoberta revolucionária nos livros de história, eternizado, nunca esquecido? Você, o descobridor do grande segredo, da grande revelação que vai mudar o mundo? Você, lembrado para sempre por sua inteligência e seu legado?
Ivan apertou os lábios, sentindo-se ferido. Era um absurdo que Morena achasse que faria aquilo pelo crédito. Não poderia se importar menos com essa questão. Tampouco fazia pelo bem das pessoas ou pelo progresso da humanidade ou para revolucionar o mundo; se aquilo acontecesse, seria por efeito colateral.
Era apaixonado por aquela ideia porque amava ela e Aleksey. Era tudo por eles. Ivan nunca esquecera do horror que fora encontrar a mãe de Morena depois de ter tirado a própria vida, na casa de repouso em que ela e a avó dele haviam ficado amigas, de como, às vezes, ele ficava acordado de noite vendo a esposa dormir com medo de que algum dia a encontrasse do mesmo jeito, pendurada na luminária do teto com os pés balançando.
Ele faria qualquer coisa para evitar aquele destino.
— Eu estou lá por você — murmurou ele. — Nenhum outro motivo, Morena. Só de pensar em te perder um dia… Eu…
— Ivan… — O tom dela se suavizou e ela o beijou na ponta do nariz. — Você não precisa…
— Eu posso sair da pesquisa — falou ele, balançando a cabeça, sem deixá-la terminar a frase. — Eu peço para sair. Prometo que nunca mais faço algo desse tipo. Nunca mais escondo nada de você, nunca mais invento nada assim. Se quiser, podemos investigar juntos essa ideia. Se não quiser, tudo bem. Me bote em algum outro grupo, faça o que quiser comigo. Eu sinto muito. Eu só não quero te perder.
Morena levantou o rosto dele e beijou-o com suavidade, uma mão acariciando o rosto do marido. Ele suspirou, e ela encostou a testa contra a dele, fechando os olhos por um instante.
— Prometa para mim que nunca mais vai esconder nada de mim — pediu ela. — Que eu nunca mais vou descobrir nada que você esteja fazendo pelos outros.
— Eu prometo — murmurou ele. — Nunca mais, eu juro.
— Prometa que não vai fazer isso com Aleksey também. Nunca mais. — Morena o puxou pelo cabelo para que ele a encarasse, parecendo mais séria com aquela promessa do que a que pedira para si mesma. — Que não vai machucá-lo nem colocá-lo em risco sob hipótese alguma. Que vai ouvir o que ele disser e respeitar o que ele quer.
— Eu nunca faria nada disso…
Morena puxou o cabelo dele com mais força, e ele fechou os olhos, contendo um gemido. Era impossível que Morena não soubesse o efeito daquelas ações no corpo dele, tão familiarizada com os desejos do marido como estava..
— Prometa, Ivan — ordenou ela.
— Eu prometo — declarou ele, com firmeza na voz. — Eu prometo que vou confiar em você e em Aleksey, que não vou fazer nada para machucá-los, nunca.
Ivan sentiu os lábios da esposa em seu pescoço e quando moveu o rosto para beijá-la, ela se afastou, desvencilhando-se do abraço e ficando de pé. Ele abriu os olhos, soltando um som de desaprovação ao vê-la ajeitando as roupas.
— Aleksey está esperando, você tem algumas explicações para fazer para ele — disse ela, sem esperar por qualquer protesto da parte dele, e Ivan levou as mãos ao rosto.
A conversa com Morena fora diferente do que ele esperava, muito mais simples do que os cenários quase apocalípticos que imaginara em sua cabeça, mas com Aleksey, sabia que não seria feito com a mesma tranquilidade. Ivan ficara irritado por Aleksey ter ido recorrer à Laszlo em vez de falar com ele, se Aleksey tivesse escondido algo daquela magnitude, nem sabia o que faria. Provavelmente ficaria irado, no lugar de Aleksey. Não seria uma conversa fácil.
— Morena… — A forma como ele falou o nome dela foi mais do que o suficiente para a esposa entender exatamente o que se passava na cabeça dele.
— Não se preocupe, eu tenho um plano que Aleksey vai amar. — Morena estendeu uma mão para Ivan, que a tomou e levantou-se, pegando a cesta. A esposa se inclinou na direção dele e sussurrou: — Se os pesquisadores não fazem ideia de onde estão indo com a pesquisa, também não vão saber se sofrerem sabotagem.
Ivan deu um passo para trás para ver a esposa em toda a sua glória, um sorriso travesso adornando o rosto. Como ele não pensara naquilo antes? Se ninguém entendia o que Ivan fazia, poderia dizer que estava fazendo qualquer coisa e não faria diferença alguma. De quebra, Morena conseguiria coisas para o Sovet e não deixaria o que era descoberto nas mãos do Imperador ou de Irídio, que com certeza usaria tudo para causar ainda mais destruição e guerra.
— Eu te amo — declarou Ivan, puxando a esposa para abraçá-la pela cintura, e Morena riu.
— Pegue tudo o que você quiser deles, meu amor. — Ela colocou as duas mãos ao redor do rosto dele, segurando-o para um beijo. — Você faz os relatórios para levar todos eles cada vez mais longe do caminho certo enquanto eu, você e Aleksey trabalhamos juntos. Nós três, como uma equipe.
Ivan a beijou novamente, de forma demorada, fazendo-a suspirar contra seus lábios, e encostou a testa na dela antes de sussurrar:
— Nós três, como é para ser.
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CRÉDITOS
Autora: Isabelle Morais
Edição: Laura Pohl e Val Alves
Preparação: Laura Pohl
Revisão: Bárbara Morais e Val Alves
Diagramação: Val Alves
Título tipografado: Vitor Castrillo
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E não se preocupe, Aleksey, Ivan e Morena retornarão em:
Hipóteses sobre Alquimia e outras reações incontroláveis
Terminamos com a segunda temporada de Alquimistas com Estudo sobre Amor e outros venenos letais e, com o fim desta história, retornaremos com a continuação de As Formidáveis Gomes & Doyle em Pó de Fada , da Giu Yukari Murakami (Amazon | Apple | Kobo | Play Books | Skeelo) em maio, não perca!