Olá para você que nos acompanha!
A Parte 5 de Palacete foi praticamente parte da programação do Discovery (principalmente o H&H), e eu posso provar:
Supernanny (com MUITO potencial de virar Pronto-Socorro: Histórias de Emergência): Agatha, tal qual uma criança, considerou provar coisas potencialmente perigosas para a saúde dela e precisou de um Adulto Responsável (Louise) para guiá-la no processo de controlar os próprios impulsos (tá, Agatha não falou explicitamente, mas eu e você sabemos que se a Louise não tivesse falado nada, ela teria colocado aquela tapioca de manteiga e queijo Marajoara!!) (se Agatha tivesse comido, aí sim o programa seria o Pronto-Socorro, HAHAHAHA).
Assombrações: acho que o nome do programa já diz tudo, né? Assombrações do passado e do presente…
Vestida para Casar: não teve ninguém procurando o vestido de noiva ideal, óbvio, mas aquela cena horrível da mãe da Louise chamando Agatha para ser madrinha do casamento sem nem consultar a Louise (que não concordaria jamais e ficou horrorizada), provocando as duas, foi digna daquelas tretas dos bastidores envolvendo as noivas, as mães das noivas e as madrinhas, e merece a menção. Que mulher desagradável é a mãe da Louise, hein? (Nota da Giu: eu diria até que é uma situação tão emperiquitante que devemos levar à especialista em tretas familiares Christina Rocha, em “Casos de Família”, programa de outro canal mesmo)
Design Divino: Louise, com suas habilidades autodidatas de designer de interiores, avaliando a cozinha do Palacete Bolognesa como a especialista que ela
nãoé… Assim, eu tava concordando com tudo até ela soltar o comentário sobre a cozinha de serviçais. Louise, ele foi péssimo, melhore!
E aproveitando que toquei no assunto de design de interiores, que aposento era aquele? Onde diabos a Louise foi parar?! Para desvendar este mistério, leia a Parte VI de…
As Formidáveis Gomes & Doyle em Palacete de Memórias!
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Avisos: esta obra menciona relacionamentos e comportamentos tóxicos, machismo, gaslighting, homicídio, sangue, objetos afiados, agressões física e verbal, e violência doméstica. Alguns capítulos contêm cenas de susto e fazem alusão a conteúdo sexual.
Reflets dans l'eau.¹
De todas as criações de Debussy, essa era minha favorita. Havia uma genialidade técnica impressionista em sua tentativa de fazer seus ouvintes sentirem para além de borbulhas e gotas respingadas, o som discreto de seus reflexos distorcidos na água.
E era assim que eu via aquele recinto. Era como se o palacete tivesse sido mergulhado na água. Eu ainda estava em pé e respirava, mas o que via era uma sala turva, escura para os padrões de todo o ambiente interior. A tapeçaria colada nas paredes tinha detalhes em preto e vermelho, enquanto, no chão, o tapete com padrões geométricos triangulares era de cor pálida amarelada com algumas partes em tons de vermelho-escarlate.
Havia duas poltronas, uma mesa de centro sustentando um vaso de flores murchas e um piano de cauda, feito do que parecia ser mogno. Nele, a figura de uma mulher magra, branca e loura dedilhava as notas mais nostálgicas de Debussy. Os cabelos de Margot Maxime, normalmente presos em suas apresentações, estavam jogados contra os ombros protegidos pelo robe de seda azul-turquesa, a mesma cor de seus olhos perdidos, que não se concentravam nas teclas que tocava, e, sim, no longo espelho retangular, emoldurado por um mosaico em ondulações de ouro, no outro lado do recinto.
Fiz um gesto de saudação tímida para discernir se aquele espectro era eco de memória ou a própria fantasma. Quando Margot não me respondeu, deduzi que era só uma lembrança sua e resolvi investigar aquilo que atraía tanto a sua atenção.
Aproximei-me do espelho e vi meu reflexo turvado pela atmosfera liquefeita, quase hipnotizada pelo meu próprio reflexo. Como uma gota caindo em um lago calmo, o tom melancólico do piano foi sendo substituído por muitas vozes mescladas e destoantes, como em uma orquestra bagunçada, as conversas em francês ficavam cada vez mais evidentes. Era um mercado, pude apurar pelos meus ouvidos, já que conhecia tão bem o Ver-o-Peso, nossa feira mais famosa. Senti o cheiro de peixe e verduras frescas, o aroma de muitas ervas e, também, de um peculiar perfume amadeirado com um toque delicado de jasmim.
Meu reflexo foi sendo substituído por uma versão de Margot mais nova usando um simples vestido vitoriano, um pouco sujo nas barras, e o espelho parecia uma tela de cinema, cuja câmera projetada fazia-me acompanhar os passos da mulher do outro lado. Ela se virou para mim e sorriu. Estava uns vinte anos mais nova, mas, de alguma forma, facilmente reconhecível. Após o sorriso travesso, Margot me deu as costas novamente, abrindo caminho para a visão de uma feira repleta de pessoas vestidas com trajes démodés. Sua caminhada abriu espaço entre tendas coloridas e algumas barracas de peixes até chegar ao seu destino: uma lojinha de ervas onde foi atendida por uma senhora, provavelmente uma conhecida, dada a pouca surpresa em recebê-la.
— Claude está aqui? — perguntou Margot, em francês.
A mulher fez um gesto de impaciência e desapareceu por uma porta atrás do balcão, onde havia vários frascos e rolhas. Não demorou muito para que um homem jovem, magro e de óculos redondos aparecesse, sua camisa de botão manchada, e seu aroma perfumado de várias essências inundou o lugar, mas o que se sobressaía era o pinheiro, a hortelã… Cheiro de inverno, como aquele que senti quando Gomes abriu os frascos minúsculos na escrivaninha de Margot.
O homem, presumivelmente Claude, mancou até Margot, segurou-a pela cintura em um abraço apertado e beijou-lhe o pescoço.
— Mon amour! Que falta você fez nos dias de inverno… — sussurrou Claude. — Preparei ótimas essências para você! Fui à floresta de pinheiros…
Animado, ele a soltou para ir até uma prateleira de madeira desgastada e voltar com uma pilha de frascos pequenos, selados com rolhas de vinho reutilizadas, cortadas em pedaços menores para tampar a pressão dos perfumes. Eram os mesmos do quarto do casal Bolognesa, sem dúvida.
— Claude, meu querido! — A voz de Margot estava embargada. Notei uma agonia incessante nela, como se guardasse algo dentro de si que precisava ser dito. — Eu… Agradeço muito seus maravilhosos perfumes.
Para provar, pegou o de cor mais vibrante, amarelado como o nascer do sol e, então, salpicou um pouco em si mesma; o cheiro de pinheiros, hortelã e pimenta espargia pelo local. Claude deu um sorriso de adoração antes de abraçá-la novamente.
— Só você para aguentar meus experimentos com aromas, Margot. Não sei o que faria sem sua aprovação… Oh, pensei em passearmos pelas colinas. Agora que é verão, os morangos estão crescendo. Eu diria que é melhor colhê-los e comê-los antes de ficarem maduros demais…
— Claude…
— Ou talvez podíamos ir na fazenda do tio Jean-Paul colher alguns figos para fazer geleia, o que me diz?
Margot afastou-se dele, seus olhos estavam marejados.
— Claude, eu vim aqui para me despedir.
Ele se afastou dela em confusão. Margot estava trêmula e parecia à beira de se desmanchar diante do homem. Claude apoiou-se no balcão, tirou os óculos de aros redondos e espalmou a mão no rosto contorcido de dor.
— Aceitaste aquela proposta infame!
— Não tive escolha! — Ela se aproximou dele em pratos, agarrando-o pela gola da camisa. — Minha família está passando fome, eu teria muito dinheiro para visitá-los sempre, e também poderia te ver, mon amour! Com esse matrimônio, posso sobressair-me na arte e, quem sabe, nem precisarei continuar casada por tanto tempo.
— Essa é uma estratégia perigosa, mon amour! — Ele tocou delicadamente em sua mão trêmula e colocou algumas mechas de cabelo louro atrás das orelhas pequenas. — Eu compreendo sua decisão, mas não posso estar feliz com isso.
— Por que não consegue estar feliz por mim? Terei uma vida de luxos, poderei mandar-te dinheiro para investir em teus perfumes e minhas irmãs não precisarão usar suas mãos delicadas para erguer um arauto como tive que fazer.
— Margot, minha felicidade é vê-la feliz… — Claude deu-lhe um beijo na testa. — Sei que essa é uma escolha que lhe agrada, mas não me faça crer que ela lhe fará feliz.
— Não se trata de escolha, Claude! — Margot afastou-se abruptamente dele, virando-se para mim, mas parecia não perceber minha presença. Ela permaneceu de costas para Claude, os lábios franzidos em uma mistura de raiva e tristeza. — Tu tens a escolha de ser o que és, de estar preso a essa loja sem futuro, de investir tempo em aprimorar aromas que não duram muito… Apenas porque não foi aceito nas lavouras.
A expressão de Margot era, no entanto, de sofrimento. Ela estava claramente mentindo, sendo cruel de propósito, mas foi tão convincente que Claude pareceu acreditar. O homem ficou aturdido com aquelas palavras, e a surpresa de ouvi-las foi sendo, gradativamente, substituída pela decepção.
— Se é o que pensas de mim, Margot, creio que não precisamos continuar a nos encontrar.
Margot estremeceu e agarrou o estômago como se quisesse vomitar. Ela inspirou fundo e ergueu a cabeça em minha direção. Assim que nossos olhos se encontraram, soube que era uma memória paginada em dores, Margot não me via, não parecia sequer perturbada em perceber alguém invadindo suas lembranças. Com um sorriso resignado, expirou todo o ar que prendera e virou-se para o homem que lhe produzia os aromas mais marcantes.
— Tens razão, Claude. Vim aqui para me despedir, e que assim o façamos, sem mais delongas.
Claude riu, um riso embargado.
— Devo parabenizá-la. Mal casou-se e já tem a postura que ele espera de ti.
Vi os punhos de Margot fecharem-se enquanto Claude levantava-se e começava a separar os frascos que mostrara à amada. Ela se adiantou:
— Eu vou querê-los… Seus perfumes.
Claude estagnou, os ombros caídos e o tronco inclinado sobre o balcão. Ele assentiu, deixou os frascos perfeitamente arrumados para ela e saiu mancando para dentro da loja, onde provavelmente residia. Não se virou mais para Margot, que se jogara contra o balcão em prantos, o choro contido para não atrair qualquer atenção.
Senti-me como se presenciasse uma cena mais íntima do que uma lua-de-mel, e não seria justo continuar espiando. Porém, assim que virei de volta à sala de música, surpreendi-me ao perceber a versão mais velha de Margot do outro lado do espelho, olheiras proeminentes ao redor dos olhos azuis, agora opacos. Ela encarava o interior do espelho com uma obsessão sombria, causando arrepios em minhas costas.
Atrás dela, uma figura magra começou a se avolumar. O Dr. Bolognesa estava com a mesma aparência que eu e Gomes encontramos no corredor: o bigode malfeito, os cabelos desgrenhados, o rosto contorcido de fúria. Ele vociferou contra o ouvido da esposa:
— Saía da frente desse maldito espelho, sua vadia louca!
Os olhos de Margot não piscaram em nenhum momento, fissurados no espelho, como se em transe. Era como se eu estivesse em uma borda que diferenciava as lembranças de Margot antes e depois de vir ao Brasil, mas, então, virei-me novamente para o interior do espelho e, para minha surpresa, estava Claude e uma figura sorridente de Margot. Ambos estavam avaliando os tamanhos de frascos espalhados sobre um tapete simples de um casebre. Madeira crepitava em uma chaminé de pedras rústicas enquanto o casal ria com o barulho bobo das rolhas saindo dos frascos, começando a criar uma melodia com cada som, até que ambos fizeram exatamente o mesmo “plop” e encararam-se antes de caírem no chão de tanto rir. Aquilo nunca existiu, certo? O espelho apresentava o passado e ilusões de um futuro de “e se…”?
Do lado do espelho, havia a cena feliz, contagiante, de risos e murmúrios de amor. Do outro lado, os gritos de um homem no limite da loucura. O som de um tapa assustou-me e virei-me para o reflexo da sala de piano. Margot estava no chão, de repente enraivecida com o Dr. Bolognesa, que continuava em pé, agigantando-se sobre ela, o dedo em riste, xingando-a em três línguas diferentes. Sua figura desnorteada arrastou-se para fugir da fúria do marido, e ele foi atrás dela, os passos pesados afundando no material do tapete.
Uma das mãos de Margot apoiou-se na parte interna do piano, e o Dr. Bolognesa fechou a capa do piano com força, arrancando da esposa um grito de dor. A fúria pela mão esmagada levou Margot ao extremo: ela pegou o vaso da mesa de centro e usou-o para acertá-lo no rosto. Ele cambaleou, caindo de joelhos antes de se recuperar, pegar um canivete no bolso e…
— Não quero que veja isso!
Ofeguei ao escutar uma voz feminina atrás de mim. Margot estava novamente na loja de Claude, mas dessa vez sozinha, os braços cruzados e a expressão quase serena para alguém que acabara de me mostrar uma parte de suas piores lembranças enquanto viva.
— Ma… — Pigarreei ao perceber minha rouquidão. — Margot Maxime.
— E tu… quem és? — Seu sotaque francês ainda era carregado como me lembrava de escutá-la se apresentando em seus concertos no Theatro da Paz.
— Louise Doyle. — Pensei em como poderia me apresentar a uma fantasma, mas não consegui dizer nada além do nome. Deveria dizer que sou médica se ela já estava… morta? Ou talvez informá-la de que era parceira de uma detetive que deliberadamente entrara em sua residência sem permissão, violando inúmeros códigos penais e tratados de direitos pós-vida? — Estou aqui para entender o que houve em sua… hm… partida, para que possamos proceder com a liberação do palacete.
Margot assentiu e, então, sentou-se sobre o balcão da loja, parecendo à vontade mesmo em uma lembrança. Ela estava jovem, iluminada por uma aparência de alguém em plena felicidade, muito diferente da Margot do outro lado do espelho, aquela que estava, naquele instante, sendo assassinada pelo marido.
— Lamento dizer, mas não pretendo liberar este lugar.
— Não se trata de uma vontade tua, Margot — impus-me. — Esse palacete precisa ter suas correntes liberadas para pregão, caso contrário, ganhará vida como uma Casa-Amaldiçoada.
Não precisava explicar a Margot o significado daquilo. Mansões e casas amaldiçoadas com a presença de antigos moradores falecidos poderiam se tornar monstruosas personificações dos traumas e grilhões que prendiam as almas em seu interior, tornando o imóvel detentor de direitos enquanto uma personalidade jurídica autônoma que sempre causava alvoroços pelo seu tamanho e atividades paranormais. Casas-Amaldiçoadas eram comuns em cidades do interior, onde as burocracias costumavam ser ainda mais rígidas, mas, em centros urbanos, isso nunca havia acontecido.
— Não há motivo para preocupação. — Margot tinha um sorriso travesso moldando seu rosto bonito. — Casas só ganham personalidade enquanto Casas-Amaldiçoadas quando passados muitos anos…
— Enquanto isso, seus empregados continuam sem dinheiro e seus vizinhos sofrem com a agonia do Dr. Bolognesa — lembrei-a, na esperança de fazê-la sentir um pouco de empatia.
— Eu não sou dona do lugar, quero lembrá-la. — Margot deu de ombros. — Meu marido é! Ele quem escolhe ficar aqui ou não.
— No entanto… — Aproximei-me dela devagar. — … Parece-me que ele só sairá se tu se libertares deste recinto. És o grilhão dele.
— Estou presa a ele contra minha vontade.
— Não, não está. — Apontei para o espelho atrás de mim, em que a cena infame continuava ocorrendo, gritos de socorro e gemidos de dor reverberavam longe, como se os sons fossem abafados por água. — Ficas aqui vendo essa cena se repetir diante dos teus olhos?
Margot negou com a cabeça e olhou atrás de si, para um corredor estreito, enfeitado por prateleiras de frascos de perfumes, um vulto magricelo e manco avaliando cada uma delas com precisão.
— Não estou aqui para ver repetidas vezes a cena de minha morte que, em verdade, foi minha libertação. — Margot desceu do balcão e entrou no corredor, e eu a acompanhei. Claude a recebeu com um sorriso. Ele parecia alguns anos mais velho, exibindo o mesmo semblante gentil e acolhedor. Claude estava completamente alheio à minha presença, como se fosse um manequim à exposição. — Estou aqui por Claude. Sempre estive.
Margot acomodou os braços ao redor da cintura dele enquanto deitava o queixo em seu ombro, fechando os olhos com um suspiro. Vê-la perdida naquele abraço, existente somente naquele tempo e espaço criados por ela, deixou-me desamparada. Como lidar com uma pessoa que só descobriu a felicidade em uma ilusão após a morte?
— Margot, não quero privar-te de teus desejos, mas deves saber, melhor do que eu, que isto aqui, do jeito que está, do jeito que estás sentindo, nunca aconteceu.
Margot soltou-o para me encarar com seriedade.
— Se estivesses em meu lugar, entenderia.
— Eu entendo.
— Não, não entendes. Se entendesses, me deixarias ficar. Se entendesses… — Ela foi se aproximando de mim enquanto eu andava para trás, tensa com sua repentina mudança de humor. — … me daria as costas, sairias deste espelho abençoado e arredarias o pé deste palacete. Se entendesses, Louise Doyle, me permitirias viver.
Bati contra o balcão e apoiei-me com as mãos. Um toque frio atraiu-me e encarei o frasco cilíndrico que estava próximo de minha mão esquerda. Era vermelho-sangue e cintilava. Seu formato e cor lembraram-me de alguns banhos-de-cheiro que Gomes estava utilizando em algum lugar daquele palacete, procurando por mim, talvez em desespero. Foi como entrar em um banho de igarapé, com a água gelada despertando-me para o horror que eu mesma enfrentaria, quando a solução passou pela minha cabeça.
— Margot. — Ela parou quando a chamei. — Eu sei como te sentes. Se me permitires te mostrar, acredito que compreenderás o que quero dizer.
Ela ergueu uma sobrancelha, descrente de minhas palavras. Inspirei fundo e torci para que minhas deduções estivessem corretas. Se aquele espelho entre a vida e a morte carregava um mar de memórias, talvez não só as de Margot estariam acessíveis, já que águas são voláteis e, até mesmo com o cruzamento delas, é possível criar um o estrondo poderoso como o da pororoca, o fenômeno amazônico do encontro do mar com o rio.
Fechei os olhos, deixando-me afogar na água que nos circundava, as moléculas perfurando minha epiderme plasmática enquanto sentia dentro de mim o medo de afundar cada vez mais naquilo que tanto lutei para enterrar no fundo do oceano de minha alma. O abissal que era invisível havia tanto tempo foi transformando-se em um conjunto de detalhes minuciosos da noite de 21 de julho de 1905, em Mosela, onde Sarreguemines estava estonteante em seu verão, principalmente após a despossessão fantasmagórica da casa à beira do rio.
Era como se eu estivesse lá novamente, naquele quartinho, o único que conseguimos com financiamento do governo após Gomes ser convidada para a investigação. O cheiro de flores infestava o lugar pelas frestas das janelas de madeira, e vez ou outra uma mariposa dançava pelo recinto antes de voltar para a natureza.
— Onde estamos? — indagou Margot, surpresa e perturbada, sua voz ressoando como se estivesse dentro de um recinto abafado e revestido por uma parede d’água. — Onde está Claude?
— Estamos em Sarreguemines, no departamento de Mosela — expliquei, nem um pouco surpresa com meu tom de voz no mesmo estado etéreo, éramos duas pessoas em uma memória. — Estamos em uma de minhas lembranças.
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¹ “Reflexos na água” (tradução livre).
Continua…
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CRÉDITOS
Autora: Giu Yukari Murakami
Edição: Bárbara Morais e Val Alves
Preparação: Val Alves
Revisão: Gabriel Yared
Diagramação: Val Alves
Título tipografado: Fernanda Nia
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A próxima Noveletter, com a Parte VII de As Formidáveis Gomes & Doyle em Palacete de Memórias, sairá no dia 31/08.
Eu não sei se eu estava preparada para descobrir o que aconteceu em Sarreguemines :'(